A falta de oxigênio para tratar pacientes internados com coronavírus em estágio moderado e grave da doença demonstra o nível da sobrecarga do sistema de saúde público e privado de Manaus, capital do Amazonas: o insumo é básico em qualquer hospital, explicam dois especialistas entrevistados por GZH.
A falta de oxigênio foi registrada em Los Angeles (EUA), também em janeiro, e no Peru, na primeira onda da pandemia. Em Manaus, a principal fornecedora para o governo do Amazonas afirma que a demanda aumentou cinco vezes nos últimos 15 dias e atingiu 70 mil metros cúbicos diários, quase o triplo da capacidade de produção da empresa. Para atender à exigência, oxigênio será importado da Venezuela.
Em meio à falta generalizada do insumo em hospitais, familiares de pacientes internados fazem uma peregrinação pela capital manauara para, por conta própria, alugar cilindros e carregá-los com oxigênio comprado – que, no fim, dura pouco tempo.
Se um cilindro com 10 mil metros cúbicos custava menos de R$ 100 em Manaus, há pessoas pagando R$ 1 mil para 5 mil metros cúbicos, o suficiente para cerca de 1h30min.
— A situação de Manaus é um absurdo, e visivelmente foi um erro de planejamento, tanto de comprar oxigênio quanto de bloquear a mobilidade. A falta de oxigênio é o elemento mais importante na doença respiratória aguda grave, e fornecê-lo é o elemento não farmacológico mais importante para manter uma pessoa viva — resume Alexandre Vargas Schwarzbold, presidente da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia (SRGI) e professor de Infectologia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Fornecer oxigênio a pacientes é algo feito não apenas em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), mas também em salas de emergência, hospitais de campanha e leitos de enfermaria. Postos de saúde também costumam possuir um cilindro de reserva, caso seja necessário transportar um paciente em ambulância. Mais raramente, pode haver uso em domicílio para pacientes com insuficiência respiratória ou em cuidados paliativos.
O presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul (Sotirgs), o médico intensivista Wagner Nedel, explica que hospitais armazenam oxigênio em compartimentos gigantescos, capazes de abastecer todos os leitos, e que o uso de cilindros como os vistos em imagens de Manaus costuma ocorrer só quando o grande estoque já foi usado.
— Ter oxigênio no hospital é o básico do básico. É como ter seringa e agulha. Qualquer paciente pode precisar de oxigênio. Em 20 anos de trabalho, nunca vi faltar oxigênio ao hospital. Essa situação de Manaus é aterrorizante — afirma Nedel.
O uso de oxigênio é essencial porque o paciente com coronavírus que chega ao hospital está, via de regra, com falta de ar e saturação do oxigênio no sangue abaixo de 92%. Na prática, isso significa que a concentração de oxigênio nas células do sangue está tão baixa a ponto de os órgãos terem dificuldade para funcionar.
O oxigênio, vale lembrar, é um dos alimentos para que as células do corpo funcionem. Quando ele falta, o pulmão começa a se esforçar para sugar mais ar e conseguir inalar oxigênio da atmosfera, que também contém outros gases.
Mas uma hora o corpo cansa, e o paciente pode ter uma parada respiratória, fenômeno que antecede a morte – se for salvo a tempo, há risco de sequela, sobretudo no cérebro, que consome muito oxigênio.
— No ar do ambiente, não respiramos oxigênio puro, mas mistura de gases que, no nível do mar, tem 21% de oxigênio. Um pulmão comprometido não consegue extrair do ar todo esse oxigênio para manter a oxigenação no organismo. Aí você suplementa com o oxigênio que vem dos cilindros — explica Nedel.
Quase 6 mil pessoas já morreram de coronavírus no Amazonas – o Estado tem a terceira pior taxa de óbitos a cada 100 mil habitantes do país, atrás apenas do Rio de Janeiro e do Distrito Federal.
Mais de 400 pessoas esperam por um leito de UTI no Amazonas. Por conta do colapso no sistema de saúde, o governador Wilson Lima (PSC) afirmou que irá transferir pacientes para Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Goiás e Brasília.
Em meio à sobrecarga do sistema, artistas e influenciadores criaram uma campanha para arrecadar cilindros de oxigênio. Entraram na campanha Whindersson Nunes, Tata Werneck, Bruno Gagliasso, Giovanna Ewbank, entre outros.
Como o oxigênio é inserido no paciente?
Resumidamente, o cilindro de oxigênio é conectado a uma máscara – e há diferentes opções para escolha. A mais simples é o cateter nasal de oxigênio, capaz de fornecer até seis litros de oxigênio por minuto e usado em emergências, enfermarias e UTIs.
A opção a seguir é a máscara de venturi, também usada em diferentes alas do hospital, que permite até 15 litros de oxigênio por minuto .
Em casos mais graves de falta de ar, há a máscara com reservatório de oxigênio, usada sobretudo em UTIs. Ela conta com uma espécie de reservatório e permite fornecer até 15 litros de oxigênio por minuto, mas em maior concentração.
Se o quadro piora na UTI, médicos usam a cânula nasal de alto fluxo, que fornece até 60 litros de oxigênio por minuto.
Por fim, se a pessoa sequer tem força de puxar o ar para os pulmões, médicos usam a ventilação mecânica, normalmente introduzida no paciente entubado.
O que é "ambuzar"?
É uma técnica na qual o paciente recebe oxigênio de forma manual com uma máscara ligada a uma bolsa de ventilação, semelhante a um balão. Em vez de haver um respirador mecânico que faça o trabalho de enviar oxigênio automaticamente para os pulmões do doente, o profissional da saúde, em um cenário de desespero, pressiona e solta a bolsa sem parar para enviá-lo manualmente para o pulmão do paciente. O exaustivo procedimento exige que alguém fique, em pé, 24 horas por dia, apertando e soltando o equipamento para evitar que o paciente morra.