Após reunião na manhã desta segunda-feira (21), o Comitê de Combate ao Coronavírus da prefeitura de Porto Alegre adiou para a próxima quarta-feira (23) uma possível decisão de impor restrições ao comércio para frear o avanço da pandemia na cidade.
— Temos antes do Natal um movimento atípico (no comércio). Na quarta-feira, vamos conversar para ver se vai ser tomada uma medida até o fim do ano — afirma Natan Katz, secretário-adjunto da Saúde de Porto Alegre e médico epidemiologista.
A prefeitura se reúne três vezes por semana para discutir o andamento da pandemia de coronavírus em Porto Alegre. Segundo Katz, o grupo postergou uma decisão para permitir que o movimento no comércio nos preciosos três dias antes do Natal alivie a crise financeira de lojistas e empresários e porque dois indicadores epidemiológicos melhoraram na cidade.
— Alguns dados podem indicar um arrefecimento da transmissão. Pela primeira vez na última semana, começamos a ter menos casos ativos do que em semanas anteriores e menos atendimentos ambulatoriais em emergências e hospitais. Não nos utilizamos disso para tomar uma decisão, UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) são nosso principal indicador, mas esses indicadores prévios à ocupação das UTIs apontaram para uma melhora — argumenta.
De fato, os atendimentos por síndrome gripal em Unidades de Pronto-Atendimento caíram de 2.098 na primeira semana de dezembro para 1.514 na segunda semana, segundo dados da prefeitura. Postos de saúde também registraram redução.
Ao mesmo tempo, neste fim de semana, a ocupação das UTIs deu um salto – passou de 307 internados com covid-19 na sexta-feira (18) para 330 no domingo (20). Nesta segunda, caiu para 317. A média móvel semanal de ocupação, que olha para tendências e é menos vulnerável a variações pontuais de um único dia, cresce diariamente – nesta segunda, é a maior desde 15 de setembro. A prefeitura projeta que o sistema hospitalar, que tem teto de 383 vagas em UTIs, pode esgotar entre o fim de dezembro e a segunda semana de janeiro.
O secretário-adjunto da Saúde de Porto Alegre afirma que o aumento na ocupação de leitos intensivos no fim de semana decorreu da simples transferência para UTIs de pacientes que aguardavam nas emergências, após aumento de vagas na cidade.
A expansão se deu porque os hospitais Moinhos de Vento, Conceição e Clínicas abriram novas vagas intensivas – o Conceição criou uma ala inteira dedicada a pessoas com coronavírus. A consequência, por outro lado, é a menor oferta de vagas a casos graves de outras doenças, ainda que o Cristo Redentor tenha aberto leitos para tratamentos não covid.
Com a expansão, a ocupação das UTIs de Porto Alegre caiu para 89,7% nesta segunda-feira. Três instituições estão lotadas: Moinhos de Vento, Ernesto Dornelles e Santa Ana, segundo painel da prefeitura abastecido pelos próprios hospitais.
O secretário-adjunto da Saúde também observa que o mandato do prefeito Nelson Marchezan está no fim, o que dificulta aplicar grandes mudanças na condução da pandemia.
O entendimento, referendado por Marchezan em outras declarações, é de que, no apagar das luzes, a atual gestão não deveria tomar decisões que confrontem a visão que saiu vencedora nas urnas. Durante a campanha, Sebastião Melo afirmou que não imporia restrições ao comércio, mesmo que a pandemia piorasse.
— Temos que ver que logo virá um novo governo. Daqui a 10 dias virá novo prefeito — afirmou Natan Katz.
Em entrevista à Rádio Gaúcha na manhã desta segunda-feira, Sebastião Melo foi questionado se colocaria restrições caso a pandemia seguisse piorando. Em resposta, ele afirmou que não cogita impor novas restrições porque entende que o comércio não é culpado pela piora.
Apesar de reconhecer que há falta de profissionais no mercado, Melo também citou que a prefeitura poderia abrir leitos no Hospital Beneficência Portuguesa, o que aliviaria a pressão sobre o sistema de saúde.
Questionado por GZH, o secretário-adjunto da Saúde de Porto Alegre afirma que o Beneficência Portuguesa não tem bloco cirúrgico, uma exigência para abrir vagas de UTI, e citou o impasse jurídico da instituição com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
— O Beneficência Portuguesa tem problema administrativo e técnico. Além de ser um local sem bloco cirúrgico, havia um contrato com a prefeitura, que não foi cumprido. O hospital ficou devendo para a Secretaria (Municipal da Saúde), demos uma segunda chance para eles pagarem a dívida que tinham e novamente eles não conseguiram fazer o que foi contratualizado, e era uma demanda supersimples. Temos falta de recursos humanos, não de espaço físico. Além disso, 10 leitos no Beneficência Portuguesa não vão resolver o problema da cidade — declarou Katz.
Sobre o assunto, o Hospital Beneficência Portuguesa afirma que a instituição está disposta a oferecer 10 vagas de UTI pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e que resolução do Ministério da Saúde permite a abertura de leitos intensivos para o tratamento de coronavírus sem bloco cirúrgico.
O diretor-administrativo da instituição, Ricardo Pigatto, ainda afirma que a nova gestão do Beneficência assumiu em agosto de 2018 e firmou contrato com a prefeitura para oferecer atendimentos pelo SUS para reduzir a dívida criada pela gestão anterior.
— O secretário Erno (Harzheim, ex-titular da Saúde de Porto Alegre) concordou, então assinamos em início de 2019 um contrato no qual só pagaríamos, não receberíamos. No primeiro mês, tentamos voltar a conversar com a prefeitura, que disse que primeiro a gente tinha que pagar a dívida. Na época, eu expliquei: "como vamos pagar R$ 200 mil por mês e não receber nada em contrapartida? Vocês teriam que fazer repasse financeiro". A prefeitura não fez o repasse e, no terceiro mês sem repasse e com uma demanda gigantesca de exames, fomos cancelando gradativamente a agenda até o rompimento unilateral do contrato, porque a prefeitura não cumpriu o combinado. A gente tem discutido, tem uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público contra o Marchezan, entramos com mandado de segurança, mas existe uma dificuldade gigantesca no diálogo com os gestores da área da saúde — afirma Pigatto.