Os estudos clínicos de fase 3 da CoronaVac foram concluídos e revelaram que o imunizante é seguro e eficaz no combate à covid-19. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (23) por Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde de São Paulo, e Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan. Contudo, não foi informado o nível de eficácia do imunizante. Covas explicou que a divulgação dos números deve ser feita ao mesmo no mesmo momento em que a Sinovac fizer o anúncio.
Gorinchteyn ressaltou a relevância do momento:
— Atingimos a superioridade da eficácia. Atingiu-se o índice exigido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde) nos estudos de fase 3 (50%) e isso permitirá que evitemos a morte de milhares de pessoas não só no país, mas no mundo. Diminuiremos a ocupação dos leitos de UTI respirados e poderemos resgatar a economia e nossos sonhos, e poderemos abraçar e beijar.
Covas afirmou que a publicação dos dados sobre segurança e eficácia da CoronaVac deve ser feito em conjunto com o laboratório chinês em função de uma exigência da farmacêutica;
— Temos um contrato com a Sinovac que especifica que este anúncio tem que ser ao mesmo tempo. A parceira solicitou que não houvesse divulgação do número antes, porque eles necessitam analisar cada um dos casos para mostrar isso à agência chinesa. Por isso, eles solicitaram a transferência da base de dados e isso foi feito hoje pela manhã. Trabalhamos com um prazo de 15 dias, que é contratual, para a devolutiva e vamos respeitar, mas acreditamos que essa data será adiantada.
Quando perguntado se este processo de vistas nos dados não atrasaria a vacinação em São Paulo ou a produção do imunizante, João Gabardo, coordenador Executivo do Centro de Contingência do coronavírus do governo paulista, afirmou que não.
— Acreditamos que dentro destes 15 dias, teremos a devolutiva no menor prazo. Temos segurança para iniciar a vacinação e isso não altera a produção. A Anvisa terá tempo para fazer a análise do pedido. O registro de uso emergencial demora 10 dias e mesmo para o definitivo eles teriam quase 30 dias para estudar.
Apesar da falta de dados sobre os estudos de fase 3, o secretário de Saúde de São Paulo pontuou que para os casos graves a eficácia da vacina foi de 100%:
— No grupo dos vacinados nós não tivemos nenhum caso grave.
Vale lembrar que a CoronaVac – desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, testada e produzida pelo Butantan – vem cumprindo todos os protocolos para estar apta a ser usada no Brasil. Recentemente, ela recebeu a Certificação de Boas Práticas de Fabricação (BPF) pela Anvisa. Esse registro é importante porque se trata de um pré-requisito para que seja concluído o registro da vacina, bem como para a liberação da aplicação em massa no país. As instalações onde o imunizante da AstraZeneca/Oxford é confeccionado já foi visitado, mas o relatório ainda não foi publicado. Já a Moderna e a Pfizer deram entrada no pedido faz pouco tempo.
A terceira fase da pesquisa clínica contou com a participação de profissionais da saúde que atuam no combate à covid-19. Eles participaram do ensaio em centros de pesquisa em São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Aqui no Estado, os testes ocorreram no Hospital São Lucas (HSL) da PUCRS e no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HEUFPel).
Nas etapas anteriores, o imunizante já havia apresentado resultados satisfatórios, segundo a farmacêutica. As fases 1 e 2 do estudo foram realizadas na China e mostraram que a vacina é segura e ofereceu resposta imune dentro de 28 dias após a primeira dose em 97% dos casos, conforme estudo publicado em novembro na revista científica The Lancet.
Destaca-se que o Butantan divulgou, em 19 de outubro, que 35% dos voluntários dos testes da vacina tiveram reações adversas após a aplicação. Contudo, os efeitos foram leves, como dor no local da aplicação ou de cabeça. Não houve qualquer registro de efeito colateral grave durante a testagem.
A CoronaVac é uma das quatro vacinas que são testadas no Brasil. As outras são a da AstraZeneca/Oxford, a da Johnson e a da Pfizer. Atualmente, o país conta com mais de 3 milhões de doses do imunizante e a expectativa é de que, até 15 de janeiro, o Brasil tenha 9 milhões de doses disponíveis.
Vacina com menor eficácia ainda vale, dizem analistas
Dois analistas consultados por GZH lamentaram que o Instituto Butantan e o governo do Estado de São Paulo não tenham anunciado a porcentagem de eficácia da CoronaVac. Saber o quanto uma vacina é eficaz (ou seja, quantas pessoas ficam protegidas contra o vírus após serem imunizadas) é essencial para o Ministério da Saúde planejar quantas doses irá comprar de cada vacina. Se a eficácia for menor, mais pessoas precisam ser imunizadas para chegar à imunidade de rebanho.
No entanto, os especialistas destacam que, mesmo que a CoronaVac tenha uma eficácia menor do que a de outras vacinas – Pfizer e Moderna ultrapassam os 90% –, a produção do Butantan ainda é bem-vinda.
A tradicional vacina da gripe, por exemplo, tem eficácia entre 46% e 60% e, ainda assim, salva vidas anualmente, lembra a biomédica e coordenadora da Rede Análise Covid-19, Mellanie Fontes-Dutra. Com uma forte campanha de vacinação e muitas pessoas vacinadas, a imunidade de rebanho pode ser conquistada, diz.
— Uma vacina com mais de 50% de eficácia é positiva para nós porque estamos em um momento no qual não temos nenhuma vacina. Sabendo que a CoronaVac é feita aqui, a produção e a distribuição seriam agilizadas, então iniciaríamos a vacinação mais rapidamente — afirma a biomédica.
Chefe do setor de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o médico Eduardo Sprinz destaca que o país está atrás na corrida mundial pelas vacinas e que é preciso começar o quanto antes a imunização:
— Se você está morto de fome e te oferecem pão, você vai negar porque quer o filé mignon? O mundo parou pela covid. O Brasil está vendo o mundo começar a vacinação, precisamos iniciar o quanto antes. O grande objetivo de uma vacina nesse momento é evitar que as formas mais graves da infecção ocorram.
Na coletiva desta quarta-feira, as autoridades de São Paulo também anunciaram que a CoronaVac é segura – como efeito colateral, causou dor na região da injeção e, em algumas pessoas, febre baixa. Essa segurança já era esperada: o método de produzir vacinas com vírus inativado é conhecido há anos pela ciência e não traz grandes efeitos adversos.
Sobre o adiamento do anúncio da eficácia da vacina, Sprinz afirma que é normal uma empresa farmacêutica reunir os dados dos estudos feitos em diferentes países – mas que pode ter havido desorganização ao comunicar os achados.
— Para a vacina de Oxford, eles juntaram os dados de todos os voluntários de diferentes países. A Pfizer recrutou brasileiros também, Oxford recrutou brasileiros. Os dados foram publicados de forma uniforme —afirma.
Ficou, para os próximos dias, a expectativa para o anúncio da eficácia da CoronaVac.
— Eles fizeram uma reunião para marcar reunião. Não é algo que vá minar a esperança das pessoas uma vacina que não seja tão eficaz quanto a da Moderna e Pfizer. É sabido que vacinas de vírus inativado é menos eficaz do que outras tecnologias. Ter uma eficácia mais baixa não é algo negativo, mas uma eficácia mais baixa exige vacinar mais pessoas para atingir uma boa cobertura vacinal. Não teremos só a CoronaVac, teremos outras vacinas junto — diz Mellanie.