Nos próximos dias, moradores do Rio Grande do Sul poderão se inscrever, via internet, para participar como voluntários dos testes da vacina contra o coronavírus desenvolvida pela Universidade de Oxford, do Reino Unido, em parceria com o laboratório AstraZeneca.
A ampliação da pesquisa sobre a eficácia do imunizante, que até então estava sendo realizada em São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro, irá permitir a inauguração de dois novos centros de testes no Rio Grande do Sul. Um deles funcionará no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e outro no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Cada uma das unidades gaúchas irá selecionar até mil voluntários para receber a vacina (ou o placebo), somando 2 mil colaboradores no Rio Grande do Sul.
Os interessados poderão se inscrever nos sites das instituições em data próxima, ainda indefinida. Não é necessário ser profissional da área da saúde para participar. Para integrar o estudo, há alguns requisitos: ser maior de 18 anos, sem limite máximo de idade, e estar “altamente exposto ao vírus”. O protocolo prevê, por questões de segurança, a exclusão de eventuais candidatos imunodeprimidos, portadores de doença crônica não controlada e gestantes.
— Não tem idade superior limite. Antes, estávamos recrutando até 55 anos, 69 anos, e agora não há limite. É um fator importante contemplar o grupo de idosos. Os centros (do RS) estão se preparando, eles devem iniciar até o fim deste mês. Com certeza, vai haver uma divulgação no website desses centros (HCPA e HUSM), tanto em Porto Alegre quanto em Santa Maria. Estamos discutindo e preparando essa comunicação. A inscrição vai ser via website e o contato individual será feito pelo grupo de estudo — explica a cientista Sue Ann Costa Clemens, coordenadora nacional dos estudos clínicos e professora recentemente nomeada na Universidade de Oxford.
A vacina de Oxford é considerada uma das mais promissoras para o enfrentamento à covid-19 e foi a primeira a iniciar os testes da fase 3, em humanos, no Brasil. O trabalho começou em junho na Unifesp, em São Paulo. A fase 3 é a etapa final para aprovação e registro de um antídoto. No mundo todo, mais de 18 mil pessoas já foram vacinadas dentro do estudo. A pesquisa começou no Reino Unido e também é realizada na África do Sul e nos Estados Unidos.
Além das unidades em Porto Alegre e Santa Maria, um terceiro novo posto de teste da vacina será aberto em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Com a iniciativa, a Universidade de Oxford irá ampliar o número de voluntários brasileiros a receber a vacina de 5 mil para 10 mil. Sue Ann ressalta que “o aumento do número de voluntários eleva as chances de se provar a eficácia da vacina com mais agilidade e, consequentemente, de trazê-la mais rápido para a população”.
— Precisamos vacinar. Quanto mais vacinados, mais chance temos de comprovar a eficácia — explica a cientista.
A metodologia do estudo prevê que metade dos voluntários irá receber a vacina Chadox1 ncov-19, contra a covid-19, e a outra metade tomará um imunizante contra a meningite e placebo. Cada participante recebe duas doses e, depois, é acompanhado pela equipe do estudo com frequência, ao longo de um ano, para a análise dos efeitos e desenvolvimento de anticorpos.
— Com coletas de sangue, vamos observar três fatores (no organismo dos voluntários). A parte de segurança, e seguimos isso muito de perto, uma vez por semana contatamos quem já recebeu a vacina para saber se está tudo bem. Em segundo lugar, saber se desenvolve anticorpos e identificar a qualidade desses anticorpos. E o terceiro fator observado é a persistência dos anticorpos, se duram três meses, seis meses, um ano. São os fatores que buscamos — detalhou a pesquisadora.
Apesar da previsão de acompanhamento dos voluntários por um ano, Sue Ann destaca que permanece a expectativa de Oxford obter um registro emergencial da vacina ainda em 2020, diante da urgência em desenvolver e distribuir massivamente uma proteção contra a covid-19. Se isso se confirmar, os voluntários continuariam sendo estudados até o final, o que traria novos elementos e maior segurança para o registro definitivo, que seria posterior.
— São fatores independentes. O protocolo de estudo é de 12 meses. Devido à demanda mundial, a vacina que provar a eficácia fará um registro emergencial. Isso foi acordado entre diferentes agências regulatórias do mundo para qualquer vacina que consiga comprovar a eficácia. Isso não invalida os 12 meses de seguimento, precisamos das outras respostas para saber por quanto tempo persistem os anticorpos. Os estudos serão terminados e, depois, um registro formal será feito nos países onde houve um registro emergencial. Temos esperança que seja possível, sim, comprovar a eficácia desta vacina ainda neste ano — afirmou.
Reações adversas em voluntária
Sue Ann destacou que, após a paralisação dos testes por alguns dias em setembro, devido a reações adversas em uma voluntária do Reino Unido, os trabalhos foram retomados com autorização de órgãos independentes e com indicativos de segurança.
— Foi uma paralisação de cerca de cinco dias. É uma conduta normal em investigação clínica, especialmente de larga escala. A revisão é feita por um comitê de segurança independente, composto por diferentes experts. Foi revisada toda a documentação muito detalhadamente e foi dado o parecer de que não houve relação causal (das reações da voluntária com a vacina) e, portanto, foi liberado o estudo para ser retomado. Também foi revisado pela agência regulatória do Reino Unido e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Estamos confiantes de que a vacina é segura — assegurou.
O HCPA, que se prepara para iniciar os testes com a vacina de Oxford, também está participando de análises clínicas de outra vacina em desenvolvimento pela farmacêutica belga Janssen. Sue Ann disse que o tema foi debatido e que, em geral, salvo exceções entre coordenadores, os integrantes das equipes de testes dos imunizantes de Oxford e da Janssen devem ser diferentes.