A decisão do Hospital de Clínicas de destinar parte dos leitos dedicados a pacientes com coronavírus para atender outras doenças não é uma estratégia isolada em Porto Alegre. Outras instituições, incluindo o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e a Santa Casa — referências locais no combate à pandemia —, preveem remanejar uma fração de suas instalações referentes à covid-19 para reforçar a atenção a outras patologias em razão de um cenário epidemiológico menos alarmante.
— Estamos conversando com todos os hospitais da cidade sobre isso (realocação de leitos). Na semana passada, tivemos reunião com o Hospital São Lucas e com o Conceição, e já havíamos falado com a Santa Casa — afirma o secretário adjunto da Saúde de Porto Alegre, Natan Katz.
O GHC realizou uma reunião sobre remanejo de recursos na manhã desta terça-feira (22) e deverá receber representantes da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) na quarta (23) para seguir discutindo as mudanças. Uma decisão já foi tomada, segundo o diretor-presidente do grupo hospitalar, Cláudio Oliveira: o centro de triagem instalado em 26 de março para receber pacientes com sintomas compatíveis com covid-19 será fechado no dia 30 deste mês.
— Desde março, a triagem atendeu 11.628 pessoas, mas a demanda caiu muito nas últimas semanas — observa Oliveira.
Nos períodos de maior procura, a unidade recebia mais de 140 pacientes por dia. Na segunda-feira, foram 43 — destes, apenas seis foram classificados como "demanda espontânea", e os demais eram servidores do próprio GHC — e nenhum dos atendimentos resultou em internação.
Oliveira afirma que, após novas reuniões com as chefias médicas da instituição, na próxima semana deverá ser definido o número de leitos de UTI covid que serão destinados a receber outros tipos de pacientes. Hoje, a ala exclusiva voltada à pandemia conta com 44 vagas.
O diretor médico da Santa Casa, Antonio Kalil, confirmou a GZH que o estabelecimento está discutindo algo "no mesmo sentido". Detalhes ainda serão acertados com o município.
O Clínicas oficializou na segunda-feira (21) a conversão de 13 dos 105 leitos de terapia intensiva abertos para enfrentar a pandemia para atender demandas de outras patologias e pacientes pós-cirúrgicos. Segundo a coordenadora do grupo de trabalho de enfrentamento ao coronavírus e do Núcleo Interno de Regulação do Clínicas, Beatriz Schaan, um lote de sete leitos covid poderá ser fechado no começo de outubro se a tendência atual de menor pressão se mantiver.
— No final de julho, começo de agosto, tínhamos 90%, 95% de lotação, e 40 a 50 pacientes esperando leito no sistema de gerenciamento do município, embora fossem rapidamente distribuídos. Nas últimas semanas, a ocupação baixou para 80% a 85%, e, às vezes, há uma ou duas pessoas na fila de vagas — afirma Beatriz.
A coordenadora do Clínicas observa que, em sentido oposto, há uma demanda expressiva de atendimento por outras razões e necessidade de realização de cirurgias que exigem leitos de UTI — embora ressalte que procedimentos de oncologia e de emergência jamais deixaram de ser feitos.
Na quinta-feira passada (17), reportagem publicada em GZH mostrou que a pressão do coronavírus sobre a rede de saúde da Capital havia diminuído: em uma semana, a ocupação das UTIs caiu 8,5% e a demanda em unidades de saúde havia recuado 44%.
Nesta terça-feira, havia 300 doentes hospitalizados com covid-19 em estado grave nos hospitais da cidade, confirmando um cenário de estabilidade no sistema. A situação ocorreu após a Capital ter batido, nos dias 2 e 4 de setembro, recorde de 347 hospitalizações em UTIs por pacientes com coronavírus.
Contudo, a diretora-presidente do Hospital de Clínicas, Nadine Clausell, faz um alerta para que não se confunda as recentes mudanças com um cenário de "alívio" diante do coronavírus. Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade desta terça na Rádio Gaúcha, Nadine salientou a necessidade de seguir com os cuidados para a prevenção da doença:
— O nosso jogo de peças foi diminuir as áreas focadas em covid-19, pois o déficit que estamos de cirurgias e procedimentos é grande. Tivemos de trocar um tipo de doença por outro, reorganizamos os fluxos dentro do hospital. A curva reduziu nas últimas duas semanas, mas o patamar é alto, ainda. É um cuidado que temos que continuar, pois não estamos num limite de segurança para respirar aliviados.
Se houver uma nova alta da pandemia na Capital, segundo Beatriz, as vagas podem ser novamente direcionadas para doentes com o coronavírus.
Atendimentos eletivos devem ganhar mais atenção
O secretário adjunto da Saúde afirma que a Capital ingressa em um novo momento da estratégia de enfrentamento da pandemia. Embora ainda vá ser mantida a maior parte da estrutura montada para amenizar o impacto do novo vírus na saúde da população, atendimentos eletivos reduzidos nos últimos meses devem progressivamente voltar a ganhar espaço nos hospitais.
— Precisamos dar atenção agora para as demandas eletivas. É um movimento necessário de readequação da capacidade instalada. Ao contrário do que alguns pensam, ter leitos livres de UTI sem previsão de ocupação é um uso inadequado dos recursos financeiros e humanos — observa Natan Katz.
Quem observa os números de pacientes internados com coronavírus em UTIs, porém, pode não perceber uma redução tão significativa na pressão exercida pela pandemia. Entre quinta-feira e domingo (20), a cifra chegou a aumentar de 294 para 315, para depois voltar a cair.
Coordenadora do Núcleo Interno de Regulação do Clínicas, Beatriz Schaan afirma que, algumas vezes, quando há leitos disponíveis e menos pacientes em situação de extrema gravidade, os médicos podem optar por transferir pacientes de gravidade um pouco menor para a terapia intensiva.
— No Clínicas, agora podemos transferir alguns pacientes mais precocemente para a UTI — aponta Beatriz.