A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) afirma que um problema tecnológico motivou a inserção, na noite de quarta-feira (19), de 6,5 mil novos casos confirmados de coronavírus ocorridos em Porto Alegre. O aumento representa 50% do total registrado até então: em um dia, a cidade pulou de 12,1 mil pessoas contaminadas para 18,7 mil. A maior mudança ocorreu nas últimas cinco semanas.
Na prática, uma tendência de queda semanal de novos casos de coronavírus começou a partir do fim de julho, e não do início de julho, como as estatísticas antes mostravam. Além disso, a gravidade da epidemia é pior, uma vez que mais pessoas se infectaram do que se imaginava.
Cálculo feito por GaúchaZH na terça-feira (18) mostrava que, nos sete dias anteriores à segunda-feira (17), a média de novos casos era de 59,3 por dia. Com a atualização dos dados, a média pulou para 299,6, um salto de 405%.
Na semana anterior, no início de agosto, a média de casos era de 123 por dia – após a atualização, subiu para 333,4 por dia, um crescimento de 171% (veja as variações ao fim do texto).
O secretário-adjunto da Saúde de Porto Alegre, Natan Katz, afirma que o represamento de casos não foi uma decisão política, mas resultado de um problema tecnológico ocasionado por falha no sistema federal usado para registrar casos de coronavírus.
O Ministério da Saúde exige que os resultados positivos de covid-19 sejam informados por meio de um sistema chamado E-SUS Notifica. Antes da pandemia, a prefeitura notificava doenças compulsórias (como tuberculose) com outro software, mais moderno, chamado Gercon.
Com pandemia, a cidade conseguiu integrar os sistemas para que os casos informados no sistema municipal automaticamente aparecessem também no sistema do Ministério, de forma a serem divulgados nos boletins municipal, estadual e federal.
Contudo, na metade de julho, a prefeitura identificou que a contagem parou de ocorrer em alguns casos – e Porto Alegre seguiu somando novas infecções sem que muitos números fossem contabilizados na plataforma federal.
Entre julho e agosto, a SMS teria contatado o Ministério da Saúde para resolver o problema, mas não houve resultado. Como a divergência entre os dados em posse da prefeitura ficou insustentável (chegou aos 6,5 mil, metade do acumulado de casos na cidade desde o início da epidemia), a prefeitura decidiu divulgar os números represados nesta quarta-feira.
— Por mais que a gente não gostaria de publicizar números diferentes do Ministério da Saúde, a diferença só crescia. Estávamos tentando resolver, mas não é algo simples. A notificação compulsória exige um rito.
Katz pontua que, apesar da inserção de 6,5 mil novos casos, as infecções seguem em queda na capital gaúcha e que o principal indicador que guia as ações de flexibilização é a lotação de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), cujo crescimento perde força nas últimas semanas.
— Sem dúvida houve redução da epidemia. Há uma redução de casos que conversa com redução da velocidade na ocupação das UTIs, junto com queda na busca por atenção primária. Esse aumento de casos tem a ver com aumento da testagem. A gente nunca flexibilizou por se sentir pressionado, sempre temos dito que nossas decisões são pelos números de UTI, já que dados de casos são mais frágeis — afirma.
De fato, o número de infectados cai nas últimas semanas, mas em velocidade menor do que se analisava: nos sete dias anteriores à última segunda-feira, por exemplo, a queda havia sido de 51,7% antes da atualização dos dados. Agora, a diminuição foi de 11,3%.
Questionado sobre a chance de o problema ocorrer novamente, o secretário-adjunto da Saúde afirma que isso depende de o sistema do Ministério da Saúde funcionar corretamente.
Em resposta na manhã desta sexta-feira (21), a Secretaria Estadual da Saúde cita que há problema na migração dos dados da prefeitura de Porto Alegre, que usa um sistema municipal, para o sistema federal, mas salienta que nenhuma das tecnologias é gerenciada pelo governo do Estado. "Cabe ao Ministério da Saúde e ao município acertar eventuais falhas de compatibilidade das informações geradas pelos dois sistemas", diz a nota.
O Ministério da Saúde afirmou a GaúchaZH que apenas reúne os dados consolidados pelos governos estaduais e que entrou em contato com a Secretaria Estadual da Saúde (SES) para investigar o problema da divergência. “Assim que as inconsistências forem esclarecidas pela SES/RS e os dados forem enviados ao Ministério da Saúde, o painel será atualizado”, diz a pasta.
Dados em xeque
A mudança coloca em dúvida a credibilidade dos dados da prefeitura, afirma o professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki. Ele concorda que haja estabilidade na ocupação de UTIs, mas afirma que o fenômeno ocorre "em níveis críticos e muito altos".
— A curva segue mais ou menos parecida, porque os 6,5 mil casos atrasados estão distribuídos da mesma forma ao longo das semanas. Mas as taxas de transmissão de Porto Alegre são superiores àquelas que se estimava. Para mim, fica fragilizada a qualidade do dado. Se havia divergência, isso deveria ter sido informado lá atrás com transparência. Se tivéssemos olhado antes para esse número muito maior de casos, a resposta das pessoas e entidades poderia ter sido diferente — afirma Zavascki.
Na visão do matemático Álvaro Krüger Ramos, professor do departamento de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a variação arranha a confiança nas informações e atrapalha cálculos de projeção da epidemia.
— Até hoje, a gente sempre teve represagem, em qualquer cidade, estado ou país. Mas existem níveis razoáveis. Em Porto Alegre, isso ficava entre 5% a 10%. O que vimos agora foi uma represagem de 50%. Antes, os dados mostravam tendência de desaceleração quando estávamos em aceleração — avalia o matemático.
Antes da atualização
Média móvel de casos até dia 17/08
- 11/08 - 17/08: 59,3
- 4/8 - 10/08: 123
- 28/07 - 3/08: 125,9
- 21/07 - 27/07: 154,9
- 14/07 - 20/07: 180,9
Depois da atualização
Média móvel de casos até 17/08
- 11/08 - 17/08: 299,6
- 4/8 - 10/08: 333,4
- 28/07 - 3/08: 381,1
- 21/07 - 27/07: 402,9
- 14/07 - 20/07: 295,6
Variação após a atualização:
- 11/08 - 17/08: +405%
- 4/8 - 10/08: +171%
- 28/07 - 3/08: 203%
- 21/07 - 27/07: +160%
- 14/07 - 20/07: +63%