A concentração de esforços dos hospitais no combate ao coronavírus tem impactado em diferentes áreas. O Banco de Pele da Santa Casa de Porto Alegre, por exemplo, está com estoque zerado nesta semana — o que impede transplantes a pacientes que precisam deste tipo de procedimento.
O normal é que o banco mantenha entre 5 mil e 10 mil centímetros quadrados — este padrão em centímetros é usado pelo complexo hospitalar. No entanto, desde abril, o estoque tem ficado zerado em diferentes oportunidades.
Assim que há entrada de material, ele já é encaminhado para algum tipo de procedimento. Cada amostra colhida pode permanecer até dois anos armazenada.
Segundo a Santa Casa, foram 13 doadores de pele entre janeiro e julho deste ano. No mesmo período do ano passado, o número chegou a 28 — o que representa uma queda de 53,57% de um ano para o outro.
Atualmente, há seis pacientes com grandes queimaduras aguardando transplantes no país. A pele funciona como um curativo biológico quando colocada sobre uma lesão. O tecido não fica permanentemente no corpo: como não é compatível, é rejeitado pelo paciente em cerca de 15 ou 20 dias. Neste período, no entanto, o corpo começa a se recuperar:
— Um paciente queimado, politraumatizado, com várias zonas de perda de pele, precisa de muitos curativos para fechar esta ferida, e a pele nada mais é do que uma opção: um curativo biológico, mas temporário. (...) Cobrimos a ferida grande de um paciente queimado e depois de 15, 20 dias, a pele vai se soltando. Este período é fundamental para a cobertura da lesão, para que nasça uma nova pele desse indivíduo lesado, doente — explicou o cirurgião plástico Eduardo Chem, diretor do Banco de Pele da Santa Casa, em entrevista ao Gaúcha Atualidade desta sexta-feira (28).
Com os estoques zerados, são usados outros tipos de curativos mais caros, não naturais e que levam mais tempo para fazer efeito. Assim, o especialista defende o uso do curativo com membrana amniótica, que não está regulamentado no Brasil.
— Depois que uma criança nasce, isso é descartado em quase 99% das vezes. (Desde o incêndio na boate Kiss) Temos tentado uma lei que nos permita captar a membrana, processar, limpar e mandar para o país inteiro via Central Nacional de Transplantes, como opção de curativo biológico para a escassez de pele.
Em nota, o Ministério da Saúde ressaltou que o Banco de Pele da Santa Casa de Porto Alegre, único do Rio Grande do Sul, é um dos quatro existentes no país, ao lado de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. A pasta informou que “não existe lista de espera para pele. Quando surge a necessidade, a equipe médica pode solicitar o tecido em qualquer um dos bancos autorizados”.
Aumento de acidentes domésticos
Conforme Chem, o número de acidentes domésticos aumentou muito no período da pandemia. Além de adultos e crianças estarem mais tempo em casa, os médicos notaram o uso indiscriminado do álcool, incluindo o álcool gel:
— Em casa, o ideal é lavar as mãos com água e sabão. Não há necessidade de ficar usando álcool gel. Ele é muito bom, mas quando vamos em ambientes com outras pessoas e não há a oportunidade de lavar as mãos. Aumentou bastante o número de queimaduras, principalmente de mãos, mas a gente vê também o uso indiscriminado do álcool gel. Pacientes que passam no corpo inteiro e depois têm contato com o fogo — alerta.
O transplante de pele é feito principalmente quando o paciente tem morte encefálica ou parada cardiorrespiratória, nas primeiras oito horas. Em determinados casos, pode-se retirar tecido do próprio paciente, movendo a pele de um local para outro do corpo. Atualmente, todos os doadores precisam ter teste RT-PCR negativo para covid-19.
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