O site mantido pela prefeitura de Porto Alegre, desde a semana passada, com dados sobre a capacidade do sistema de saúde da cidade incorporou um novo indicador: a quantidade de pacientes já admitidos e internados em grandes hospitais, públicos e privados, e que podem, nas próximas horas, ocupar uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), caso piorem de saúde.
A novidade foi criada para trazer mais detalhamento ao cenário das UTIs, mas o dado foi compreendido erroneamente por alguns médicos e pesquisadores como a real fila de espera para leitos intensivos gerada em Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) e hospitais menores de Porto Alegre e outras cidades.
Houve, portanto, uma confusão entre a conhecida fila de pessoas em UPAs e pequenos hospitais da Região Metropolitana aguardando por UTI (um problema histórico na saúde pública brasileira) e a agora monitorada fila de pessoas dentro de grandes hospitais da Capital que podem, eventualmente, usar um leito intensivo.
O novo indicador, que engloba as pessoas já internadas em emergências, começou a ser acompanhado pela Secretaria para levar em conta uma potencial demanda de leito antes “escondida” do olhar do Executivo.
Na tarde desta quarta-feira (29), eram 16 pacientes com coronavírus nas emergências de grandes hospitais aguardando uma vaga em UTI.
Segundo o coordenador da Central de Regulação de Leitos da SMS, Jorge Osório, por vezes hospitais recusavam um paciente de fora do hospital em suas UTIs por reservarem uma vaga a internados com coronavírus que provavelmente necessitariam de leito intensivo nas próximas horas.
— Enxergávamos os pacientes que aguardam um leito de UTI e enxergávamos a ocupação de leitos da cidade, mas não enxergávamos quem já estava na emergência e poderia ir para a UTI. Isso não era visível porque, como o paciente já estava internado, não aparecia no sistema. A tentativa trazida é de monitorar toda a necessidade de leito de UTI, inclusive de quem já está no hospital — afirma Osório.
A importância do monitoramento
Acompanhar a fila de pessoas já internadas e com chance de ocupar uma UTI serve para as autoridades olharem com ainda mais detalhe a ocupação dentro de hospitais de Porto Alegre, afirma o médico intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Fabiano Nagel.
— A curva de inclinação de pacientes críticos confirmados em UTI, daqui a pouco, falsamente será diminuída ou entrará em platô por não ter mais leito disponível de UTI, apesar de os pacientes continuarão existindo. Eles querem ver quantos pacientes (no aguardo de leito) acrescentam à curva — afirma.
Na prática, a prefeitura analisa agora três indicadores: a ocupação de leitos de UTI (visível no painel), a ocupação de leitos de emergência que podem ocupar uma UTI (agora, visível no painel) e os pedidos de vaga em UTI gerados por UPAs e hospitais de Porto Alegre e de outras cidades (não visível).
Questionado sobre por que a prefeitura não torna mais transparente o número de pessoas em Porto Alegre e outras cidades na fila por um leito intensivo, o coordenador da Central de Regulação de Leitos da prefeitura afirma que o painel da prefeitura não foi criado para esse propósito, e sim para averiguar a ocupação existente das UTIs da cidade.
— O dashboard, quando foi inicialmente pensado, tinha como indicador a ocupação de UTIs para esgotamento de sistema. Não foi pensada a fila como indicador primordial. Essa fila nós já monitoramos — acrescenta Osório.
Apesar de a demanda ter dobrado com a pandemia, a expansão de vagas e a melhora de processos reduziu a espera por uma vaga de UTI no inverno deste ano em Porto Alegre.
Se em julho do ano passado, um paciente aguardava, na média, 25 horas por um leito intensivo, em julho deste ano o tempo de espera caiu para 12 horas, como mostra o gráfico a seguir.
Sem atraso para conseguir vaga, garante gerente de UPA
De fato, pacientes com coronavírus que entram na UPA Moacyr Scliar, administrada pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC), são transferidos para UTIs da capital no mesmo dia, afirma Jaqueline Cesar Rocha, farmacêutica e gerente da instituição. Ela diz que não há atrasos para obter uma vaga.
Isso não quer dizer que a situação dos hospitais esteja fácil: a ocupação das UTIs nesta quarta-feira (29) está em 90,3%, um indicador preocupante. Quatro instituições estavam lotadas: Fêmina, Pronto-Socorro, Vila Nova e Porto Alegre. O cenário ocorre com falta de médicos e de medicamentos.
Para Ronaldo Hallal, médico infectologista e consultor da Sociedade Sul-riograndense de Infectologia, a prefeitura deveria informar à população a fila para UTIs de UPAs e hospitais se o objetivo é mostrar a demanda sobre o sistema de saúde da cidade.
— Não é fornecida a informação completa, que inclui a demanda na periferia de grandes cidades da Região Metropolitana em serviços de emergência e pronto-atendimento fora de hospitais de grande porte. Ainda que seja melhor do que as informações anteriores (não havia nenhum dado sobre qualquer fila), refletem apenas parte da demanda por leitos pra covid 19. Deveria constar também a demanda da Região Metropolita, porque Porto Alegre sofre a demanda de municípios menores — afirma.
O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) informou que vai enviar um ofício para que a Secretaria da Saúde de Porto Alegre apresente "de forma transparente" os "dados fidedignos" de listas de espera para UTIs e disponibilidade em Porto Alegre e a estratégia de trabalho para atender às demandas. A resposta depende do executivo municipal.
Hoje, entre 50% e 60% das vagas de UTI na Capital são ocupadas por moradores de Porto Alegre e entre 40% e 50% são pacientes do Interior, declarou na segunda-feira (27) o secretário-adjunto da Saúde da Capital, Natan Katz, em entrevista à Rádio Gaúcha. Ele acrescentou que a prefeitura está trabalhando para abrir de 50 a 60 novos leitos intensivos.
A real fila de pessoas que aguardam uma vaga de UTI e que surge em todos os invernos é monitorada pelo Gerint, um sistema informatizado usado por médicos para solicitar uma vaga em UTI em algum hospital. Na semana passada, a prefeitura recebeu uma média de 35 demandas de leito de UTI por dia – destas, metade por problemas respiratórios.
Reportagem de GaúchaZH em junho mostrou que não é possível culpar outras cidades por enviar pacientes a Porto Alegre, já que a capital recebe dinheiro federal para esse tipo de atendimento e porque o Sistema Único de Saúde (SUS) foi pensado para que metrópoles tratem pacientes do Interior.
Médico epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jair Ferreira destaca que a maior pressão, por enquanto, é nas UTIs, e não nos leitos de enfermaria.
— A lotação da enfermaria é menor. A grande preocupação no Clínicas é a UTI. É muito mais difícil colocar leito de UTI e ainda há o problema de colocar pessoal. Fila de UTI tem. Estão sempre contatando os hospitais para internar pacientes — diz.