Dois estudos apontam problemas de ventilação em um restaurante como a possível causa de contaminação por coronavírus de três famílias na China entre janeiro e fevereiro deste ano. Além de uma possível superlotação do local, o direcionamento do ar-condicionado poderia ter feito com que as gotículas contaminadas de um dos clientes tenham se deslocado até outras mesas, infectando outras famílias.
Nesta semana, a discussão ganhou novos contornos a partir de uma carta publicada por um grupo de cientistas que fazem um alerta sobre os riscos de transmissão por meio de partículas com vírus suspensas no ar. Assim, é natural que cresçam as preocupações com o uso de ar-condicionado. Mas, afinal, será que o aparelho pode disseminar o vírus?
Embora nada animadora, a resposta mais correta é: depende. Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), lembra que a cada dia novas informações sobre o vírus são descobertas, o que faz com que recomendações e orientações sejam revistas com muita frequência. No que diz respeito aos aparelhos de ar-condicionado, Raquel afirma que há risco, porém, pondera que essa não parece ser a forma preponderante de transmissão.
— O estudo chinês apontou que o coronavírus circulou pelo direcionamento do ar naquele ambiente. Agora, temos a informação da possibilidade de existir um vírus em gotículas ainda menores, fazendo uma espécie de "nuvenzinha". Nesse cenário, o ar-condicionado contribuiria para uma transmissão maior. Agora, possivelmente, essa não é a principal forma de transmitir. Se fosse, teríamos um panorama catastrófico na Europa (em razão do inverno) — diz.
À luz desse novo achado, que revelou que partículas aerossolizadas muito pequenas podem ficar suspensas no ar, o professor do serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Alexandre Zavascki alerta para o uso dos aparelhos de ar-condicionado, especialmente em ambientes muito pequenos e com muitas pessoas.
— Infelizmente, com as evidências que temos no momento, a gente sabe que há possibilidade, e ela não é pequena, de que partículas contendo coronavírus fiquem flutuando. Como há equipamentos que não fazem a troca do ar, apenas aquecem ou resfriam e retornam o mesmo ar para o ambiente, pode contribuir para que as partículas fiquem recirculando — destaca.
Renovação do ar
Por outro lado, o engenheiro mecânico Oswaldo de Siqueira Bueno, consultor técnico da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), ressalta que há uma série de normativas, tanto para ambientes domésticos quanto públicos, que devem ser seguidas quanto à renovação do ar na hora de instalar um equipamento.
— Tudo, em termos de normas, fala em renovação de ar. Cada uma delas tem um capítulo dedicado à qualidade e à renovação do ar. Mas tem outro lado: 65% do faturamento das vendas de máquinas é dos chamados “minisplit”. As pessoas querem fazer uma instalação de menor preço, e não incluem a renovação de ar — afirma Bueno. — Se seguir todas as regras, os ambientes têm renovação, o que dilui o contaminante, mas depende da instalação.
Mas então, o que teria ocorrido no tal restaurante chinês? Conforme o consultor da Abrava, o grande erro apontado pelo artigo é que não havia renovação de ar.
— Sem renovação, não há diluição. Aí, realmente vai se aspirar ar contaminado e jogá-lo de volta no ambiente. O que era localizado no doente se esparrama — justifica o consultor da Abrava.
Dessa forma, a recomendação é sempre manter a circulação de ar nos ambientes com maior concentração de pessoas. Além disso, a consultora da SBI reforça a importância de manter a integridade das máscaras. Isto é: trocá-las sempre que notar que estão úmidas, pois assim elas perdem a eficácia. Até mesmo nesses dias congelantes gaúchos, é fundamental abrir as janelas.
— Ideal é não fica no ar-condicionado. Deixando ar corrente, diminui muito a chance de transmissão — recomenda Zavascki.
No que diz respeito à temperatura, Raquel lembra que as informações do início da pandemia sugeriam que o vírus não se adaptava ao calor. Contudo, a suspeita não se confirmou.
— Se achava que o vírus não gostava de altas temperaturas, o que não é verdade. Também falaram que não gostava de umidade, o que também não é verdade, visto o que ocorreu no Norte — finaliza a médica.