Um grupo de 239 cientistas descreveram, em carta aberta à Organização das Nações Unidas (ONU), evidências coletadas de que o coronavírus pode ser transmitido por via aérea. Os autores do texto mostram que partículas menores tem capacidade de infectar pessoas, e pedem à agência que revise suas recomendações. De acordo com o The New York Times, o documento deve ser publicado em revista científica na próxima semana.
Em 29 de junho, atualização mais recente da ONU sobre a covid-19, a entidade afirmou que a transmissão aérea do vírus ocorre apenas após procedimentos médicos que produzem aerossóis ou gotículas menores que cinco mícrons (equivalente a um milionésimo de metro). Sendo assim, a necessidade de ventilação adequada e o uso das máscaras N95 seriam necessárias apenas nessas circunstâncias.
O líder técnico da ONU para o Controle de Infecções, Benedetta Allegranzi, disse que as evidências do vírus espalhado pelo ar não são convincentes.
— Especialmente nos últimos dois meses, temos declarado várias vezes que consideramos a transmissão aérea possível, mas certamente não suportada por evidências sólidas ou até claras — disse. — Há um forte debate sobre isso — acrescentou.
Contudo, entrevistas com quase 20 cientistas — alguns da ONU, inclusive — e e-mails internos mostram que a organização está fora de sintonia com a ciência. Quer sejam transportados no ar por grandes ou pequenas gotículas, os especialistas que elaboraram a carta determinaram que o coronavírus é transportado pelo ar e pode infectar pessoas quando inaladas.
— Se começássemos a revisitar o fluxo de ar, teríamos que estar preparados para mudar muito do que fazemos — afirmou Mary-Louise McLaws, membro do comitê e epidemiologista da Universidade de New South Wales em Sydney. — Acho que é uma boa ideia, muito boa, mas causará um tremor enorme na sociedade de controle de infecções — avaliou.
No início de abril, um grupo de 36 especialistas em qualidade do ar e aerossóis pediu à ONU para considerar a evidência de transmissão aérea do coronavírus. A agência ligou para a líder do grupo, Lidia Morawska, e um consultor da ONU para marcar a reunião. Contudo, a discussão foi dominada por especialistas que defendem a lavagem de mãos e, segundo participantes do encontro, os conselhos do comitê não tiveram mudanças.
Morawska e outros cientistas apontaram diversos incidentes que indicavam a transmissão do vírus pelo ar, especialmente em espaços internos lotados e pouco ventilados. Eles argumentaram que a ONU estava fazendo distinção entre pequenos e grandes aerossóis, mesmo que as pessoas infectadas produzam os dois.
— Sabemos desde 1946 que tossir e falar geram aerossóis — disse Linsey Marr, especialista em transmissão aérea de vírus da Virginia Tech.
Os cientistas não conseguiram cultivar o coronavírus a partir de aerossóis no laboratório. Contudo, isso não significa que os aerossóis não sejam infecciosos. Esses experimentos vem de salas de hospitais com um bom fluxo de ar, o que diluiria os níveis virais. Na maioria dos edifícios, "a taxa de troca aérea é geralmente muito menor, permitindo que vírus se acumulem no ar e apresentem um risco maior", afirmou Marr.
De acordo com especialistas, o coronavírus parece ser mais infeccioso quando pessoas mantém contato prolongado à curta distância, especialmente em ambientes fechados. De acordo com o epidemiologista da Harvard T.H Escola de Saúde Pública, as pessoas não tem entendimento sobre trnamissão aérea.
— Temos a noção de que transmissão no ar significa gotículas suspensas no ar, capazes de infectá-lo muitas horas depois, percorrendo ruas, passando por caixas de correio e chegando às residências em todos os lugares — disse Hanage.