Na terça-feira (9), um homem de 63 anos, diagnosticado com coronavírus, acordou do coma induzido em Caxias do Sul, na Serra. A melhora do paciente, que está internado no Hospital Virvi Ramos, ocorreu após a doação de plasma convalescente que recebeu — fruto de um tratamento experimental contra covid-19.
O doador foi Fabio Klamt, professor do Departamento de Bioquímica da UFRGS e pesquisador da área de Biomedicina. O porto-alegrense, que foi infectado em março, venceu a covid-19 e se dedicou a pesquisar métodos eficazes e seguros para combater a doença. Em entrevista ao Gaúcha Atualidade desta quarta-feira (10), ele explicou como funciona a infusão de plasma, ainda em nível experimental, e definiu o sentimento após tomar conhecimento da melhora do paciente:
— Eu estou em estado de graça desde que descobri que o paciente acordou. E que sirva de exemplo para a população. Somos em torno de 8 mil gaúchos em condições de doar.
Confira a entrevista completa
Como é essa técnica de doação de plasma?
A cura, entre aspas, a comunicação de quem já passou pelo corona se baseia na produção de anticorpos. O que foi feito, pioneiramente pelo hemocentro, é a coleta da parte líquida do sangue, que chamamos de plasma. Ali que se encontram os anticorpos. Na transfusão foi feita a passagem desses agentes neutralizantes, que vão impedir que o vírus atinja outras células, dando mais uma chance aos pacientes em estado grave.
É uma técnica usada para outras doenças, não?
Sim. Isso foi amplamente usado pela humanidade quando lidamos com pandemia no âmbito viral. (...) A beleza dela é que é relativamente simples, é lógica. Estamos simplesmente passando os mecanismos de defesa para um paciente que está em estado mais crítico.
Na doação de sangue, existe compatibilidade. No caso do plasma, tem algum problema de compatibilidade?
Sim. A gente segue as mesmas diretrizes de uma doação de sangue. Tem que ter compatibilidade do grupo sanguíneo, presença de outras doenças. É super seguro para o paciente que está recebendo e para o doador.
Qual é o gatilho para que possam ter a decisão de fazer uso da técnica?
Hoje, os protocolos ainda são considerados experimentais, apesar de ter uma série de estudos de pacientes que se beneficiaram. Em todo estudo experimental, a gente utiliza pacientes em estado gravíssimo, com chance de vir a óbito. O que os estudos mostram é que ele diminui a ponto de negativar o vírus. Ele resolve a inflamação — o processo inflamatório é muito grave e responsável pela falência de órgãos — e melhora de quadro clínico. Estes dados foram compilados em pacientes em caso grave, mas está se mostrando que quem realmente tem potencial são aqueles em estados iniciais da doença. Se a gente conseguisse inativar o vírus em casos iniciais, a probabilidade destes pacientes é absurda. Eu estou fazendo a campanha além de implementar em hospitais, de ampliar esse protocolo. (...).Usar estes critérios para critérios de inclusão.
Por que não é feito com mais frequência?
Como qualquer regime terapêutico, tem que se basear em segurança e eficácia. Há mais de cem anos temos dados médicos demonstrando a segurança desse protocolo para outras epidemias. Temos dados de mais de mil pacientes nos EUA demonstrando a segurança. Agora estamos escalonando. (...) O que eu estou batalhando e sugerindo é ser eficiente e que deve ser implementado em estados iniciais que possuem indicativos de que o caso vai se agravar.
Os métodos têm discussão sobre riscos. Tem a cloroquina, o remsidivir. Como a transfusão é comum, o risco é zero?
O estudo americano com mais de mil pacientes demonstra que o risco é menor do que 1%, o que já era esperado pela comunidade. (o risco se dá) Pelo simples fato que está fazendo uma transfusão, o paciente está recebendo plasma externo. Não tem nada a ver com a covid, é pelo método de transfusão. Isso é uma ótima notícia. Hoje, nos EUA, já tem dados demonstrando que mais de 10 mil pacientes receberam plasma. Esse método já passou de uma característica experimental. Este se torna, o que eles chamam, de primeira escolha. Um método que é possível de experimentação de larga escala no manejo desses pacientes graves.
Tem alguma forma de se inscrever para ajudar neste estudo?
Por questões éticas, todos os bancos sabem quem são os pacientes que foram acometidos, mas eles não podem entrar em contato com os pacientes. Eu sugiro que eles (pacientes) procurem o banco de sangue. Em torno de 50% dos doadores estão habilitados. Semana que vem o Hospital de Clínicas vai começar a recrutar. O Moinhos de Vento está se articulando. Que as pessoas busquem estes centros para que a gente possa fazer todas as etapas: coleta, armazenamento...
A pessoa que tem interesse, como pode participar? Telefona? Vai no hemocentro?
O hemocentro de Caixas disponibilizou um número de Whatsapp para a pessoa entrar em contato e agendar uma entrevista. O doador precisa ter um laudo demonstrando que teve covid e recebeu o diagnóstico e que tenha passado pelo menos 14 dias em quarentena, (tempo) que se espera que o vírus seja eliminado do corpo. Estas são, pelo menos, as duas condições.
Como se sente com a melhora do paciente que recebeu a sua doação?
No meio de tanta tragédia, desinformação e desrespeito com a população, a gente tem que valorizar isso. Eu estou em estado de graça, desde que descobri que o paciente acordou. E que sirva de exemplo para a população. Somos em torno de 8 mil gaúchos em condições de doar.
Mulheres podem doar? Quais são as exigências?
Além do diagnóstico, a janela de idade tem que ser acima de 18 e abaixo de 65. Inicialmente, está se recomendando que sejam homens, porque muitas vezes as mulheres, durante a gestação, criam agentes que podem causar a rejeição. Seria mais um exame necessário para incluir as doadoras.
Só quem foi gestante está excluída?
Não se está incluindo mulheres porque muitas vezes elas tiveram aborto espontâneo e muitas vezes não sabem e podem ter desenvolvido esses fatores. Inicialmente, está se selecionando homens acima de 18 anos para fazer a doação.
O fato de ter doado aumenta a probabilidade de ter anticorpos?
Eu tive uma surpresa que depois da primeira doação eu tinha uma titulação de 1 para 256 de poder neutralizante. No sábado, eu participei de uma pesquisa da UFCSPA, onde coletaram o meu sangue, e ele tava em 1 para 650, ou seja, quase triplicou a quantidade do meu plasma. Provavelmente, isso não leva a nenhum problema ao doador, até estimula a produzir mais anticorpos ainda.
Ainda no programa desta manhã, Klamt ouviu um áudio de agradecimento do filho do paciente que saiu do coma. Ouça a entrevista completa e o áudio