Publicado na última sexta-feira (12), um estudo norte-americano de cientistas da Scripps Research, da Flórida, indicou que uma mutação genética do SARS-CoV-2, vírus responsável pela pandemia de covid-19, "aumenta consideravelmente" sua capacidade de infectar células humanas. A pesquisa, por enquanto, ainda em versão preliminar.
Para os cientistas, essa mudança, chamada de D614G, aumenta a quantidade de "espinhos" do coronavírus, usados por ele para se conectar e invadir células. Em análises de tubos de ensaio, essa mutação foi cerca de nove vezes mais eficiente na contaminação do que o vírus "original". Isso pode explicar, segundo os pesquisadores, por que houve surtos de contágio mais agudos no norte da Itália e em Nova York, nos Estado Unidos, por exemplo.
Porém, ainda não está claro até que ponto essa mutação afeta os sintomas e a transmissão do coronavírus. Os responsáveis pelo estudo apenas declararam terem confiança de que a modificação provoque impactos na pandemia.
– Esse vírus, em particular, muda lentamente. Não esperamos que se torne mais mortal, apenas mais eficiente em se propagar – disse Michael Farzan, um dos pesquisadores, à agência Reuters.
No Brasil, a descoberta acende um alerta porque, de acordo com especialistas, as mudanças no vírus são mais comuns em locais com transmissão em larga escala. O país, neste momento, está em marcha acelerada rumo ao contingente de um milhão de contaminados, sendo, em números absolutos, o segundo em total de pessoas infectadas, atrás apenas dos Estados Unidos.
– Quanto mais o vírus se multiplica, maiores as chances de mutações. No entanto, esse vírus tem uma velocidade relativamente baixa para se transformar, diferente do vírus da gripe e Aids, que se modificam muito rapidamente. Aparentemente, ele tem sofrido mutações muito pequenas que não chegam a alterar seu comportamento e permitir uma nova infecção de alguém que teve a doença recentemente – diz Claudio Maierovitch, coordenador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde da Fiocruz.
Segundo o infectologista da Faculdade de Saúde da Universidade de São Paulo (USP) Gerson Salvador, essas mutações são comuns e constantes a qualquer ser vivo, incluindo vírus. Salvador concorda que, por ora, as alterações encontradas no SARS-CoV-2 são "relativamente estáveis":
– Acontecem mutações o tempo inteiro, mas, a priori, não encontramos mutações que modifiquem o comportamento biológico do vírus ou que possam fazer diferença na evolução da doença.
Nos últimos meses, pesquisas apontaram que o coronavírus está se modificando à medida que se ajusta aos chamados hospedeiros humanos. Isso ocorre porque o vírus, ao atacar o organismo, passa por mutações para vencer a resposta imunológica.
Embora as mudanças que apareceram em outros países ainda não sejam preocupantes, a pneumologista do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, Letícia Kawano-Dourado sublinha que, no futuro, podem haver consequências.
– Quanto mais deixamos o vírus circular, maior o risco de termos uma cepa (alterações morfológicas do vírus) bem adaptada à infecção. E que pode, inclusive, ser diferente da cepa que está sendo trabalhada na vacina. E se surgir uma cepa brasileira? Pode ser que a vacina que estão desenvolvendo não sirva para a gente – analisa a pneumologista.
Realizado em laboratório, o estudo, agora, deverá passar por testes clínicos para confirmar as conclusões iniciais. A pesquisa passará, ainda, por revisão da comunidade científica.