O sangue dos homens tem concentração maior de uma substância que ajuda o coronavírus a infectar as células. A conclusão vem de um estudo feito em mais de 3,5 mil pacientes, publicado nesta segunda-feira (11) na revista European Heart Journal, da Sociedade Europeia de Cardiologia. O achado pode ser uma das explicações para os números que mostram que a covid-19 (doença provocada pelo coronavírus) afeta de forma mais grave pacientes cardíacos do sexo masculino.
A substância, uma enzima (substância que acelera reações químicas) conhecida como ECA2 (enzima conversora de angiotensina 2), age na superfície das células como um receptor: liga-se ao coronavírus e permite que ele entre em células saudáveis, depois de ter sido modificado por outra proteína.
A ECA2 está presente nos pulmões, e os médicos acreditam que uma concentração mais alta nesses órgãos propicia a infecção viral, o que daria à enzima papel importante na progressão de distúrbios pulmonares relacionados à covid-19.
Uma limitação do estudo, porém, é que ele mediu a concentração da enzima apenas no plasma (parte líquida do sangue), e não nos tecidos, o que não permite ter certeza sobre a concentração da ECA2 nos pulmões.
A substância é encontrada também no coração, nos rins e em tecidos que revestem os vasos sanguíneos, e há níveis particularmente altos nos testículos. Segundo os pesquisadores, a regulação da ECA2 nos testículos pode ser um dos motivos da maior concentração da enzima em homens e da maior vulnerabilidade masculina à covid-19.
Adriaan Voors (MD-PhD), professor de Cardiologia do Centro Universitário de Medicina de Groningen (Holanda) que liderou a pesquisa, diz que as conclusões do estudo são restritas a pacientes com insuficiência cardíaca e que não é possível estabelecer ligação direta entre o curso da doença e as concentrações da ECA2 no sangue.
O objetivo do grupo de pesquisa de Voors era estudar diferenças nos marcadores de doenças no sangue entre homens e mulheres, e o trabalho começou antes do surto de coronavírus.
Os pesquisadores mediram as concentrações de ECA2 em amostras de sangue colhidas em dois grupos de pacientes com insuficiência cardíaca de 11 países europeus (Holanda, Reino Unido, Alemanha, França, Grécia, Eslovênia, Sérvia, Itália, Noruega, Polônia e Suécia). O primeiro grupo era formado por 1.485 homens e 537 mulheres, e o segundo, por 1.123 homens e 575 mulheres.
O trabalho investigou o efeito de vários fatores clínicos que poderiam afetar as concentrações da ECA2, entre eles o uso de medicamentos inibidores da ECA ou bloqueadores de receptores da angiotensina (BRA), a história de doença pulmonar obstrutiva crônica ou de obstrução da artéria coronária. Na pesquisa, descobriram que o sexo masculino era o mais forte preditor de concentrações elevadas de ECA2.
Segundo o estudo, não foram encontradas evidências de que inibidores da ECA ou os bloqueadores BRA estejam ligados à concentração mais alta da ECA2, o que pode ser importante para orientar a manutenção desses tratamentos durante uma infecção pelo vírus, segundo Voors. As drogas costumam ser prescritas para pacientes cardíacos, diabéticos ou com doenças nos rins.
— Elas são um tratamento muito eficaz para a insuficiência cardíaca e os efeitos hipotéticos na infecção viral devem ser avaliados com cuidado contra seus benefícios comprovados — afirmou Voors.