Pesquisadores envolvidos no maior estudo populacional do mundo sobre a proliferação da covid-19, conduzido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), foram recebidos com hostilidade em diversas partes do Brasil. Alguns deles foram detidos e até mesmo algemados enquanto trabalhavam.
Para Márcia Cavallari Nunes, CEO do Ibope Inteligência, contratado via processo seletivo para fazer as entrevistas, a situação se deu por uma falha de comunicação das secretarias de Saúde dos Estados com as secretarias dos municípios.
— Em algumas cidades nós encontramos muita desinformação, a desinformação acabou gerando uma série de fake news e o próprio medo, que acho que é normal nas pessoas na pandemia. Quando começaram a abordar as pessoas, muitas delas, sem saber, influenciadas pelas fake news, ligavam para a polícia — relatou Márcia em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta segunda-feira (18).
— Começou a circular que não existia uma pesquisa no município, que não abrissem as portas para os pesquisadores, que isso era um golpe, era um assalto. Isso fez com que as pessoas ficassem com medo, não abrissem a porta, e tudo isso prejudica a representatividade do estudo, porque já que não é possível testar todo mundo, é preciso medir isso através de um processo de amostragem — disse.
Para as próximas fases, Márcia afirmou esperar que a população esteja ciente do estudo e apoiem a realização da pesquisa.
— Estamos trabalhando em 133 cidades. Temos 22 cidades onde as equipes de campo estão nos hotéis, paradas há dois dias aguardando liberação, seja da secretaria da saúde, seja da vigilância sanitária, seja da prefeitura, para os entrevistadores poderem trabalhar — disse.
Ouça, abaixo, a entrevista completa:
De acordo com Márcia, foram registrados diversos casos de detenção. Três localidades, porém, foram apontadas como as que tiveram mais prejuízo: Santarém, no Pará, Barra do Garça, no Mato Grosso, e Iguatu, no Ceará. Nestes locais, os testes foram apreendidos e, devido ao manuseio incorreto, não poderão mais ser utilizados. Também não há tempo hábil para encomendar novos materiais porque a pesquisa possui prazo para ser finalizada.
— Ela não pode atrasar porque esse tipo de pesquisa você tem que ter uma fotografia daquele momento — explicou.
Ainda assim, a CEO afirmou que em apenas duas cidades não houve nenhum progresso no âmbito da pesquisa. Mesmo com as hostilidades, os pesquisadores conseguiram, ainda assim, coletar dados — ainda que não das 250 pessoas previstas por município. Agora, afirmou Márcia, é necessário ver se os pesos de amostragem são adequados. Ainda assim, projetou que a pesquisa deve mostrar um número maior de infectados do que o divulgado pelos órgãos responsáveis.
— A pesquisa deve refletir o que nós já sabemos em termos de mais casos ou menos casos que são divulgados. Os casos que são divulgados são casos que foram notificados, pessoas testadas e como se sabe nem todo mundo tá sendo testado —disse. — Provavelmente a pesquisa vai mostrar que a gente tem muito mais casos nesses Estados do que tá sendo divulgado. A amostragem vai pegar exatamente a amostragem das pessoas que estão assintomáticas ou com sintomas mais leves — finalizou.