Destacadas para analisar a evolução de casos de covid-19 na população brasileira, equipes que estão coletando testes para uma pesquisa nacional coordenada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) foram detidas pela polícia, agredidas por cidadãos e impedidas de trabalhar em diversas cidades brasileiras. Em muitos casos, o material utilizado foi destruído e os profissionais, levados a abandonar os municípios sob ameaças.
A UFPel e o Ibope, que faz o trabalho de campo, registraram a conduta em Estados como Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Piauí e Rio Grande do Norte. No Rio Grande do Sul, a pesquisa que procura medir a disseminação real da epidemia na população transcorreu sem maiores problemas. Já em municípios de outros Estados, incluindo em Santa Catarina, as equipes de coleta chegaram a ser detidas.
Segundo o Ministério da Saúde, o estudo "Evolução da Prevalência de Infecção por COVID-19", coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, prevê que cerca de 100 mil pessoas de 133 municípios sejam entrevistadas e testadas. O objetivo é identificar de que forma o vírus está se propagando em todo o Brasil e criar políticas públicas mais eficientes sobre o comportamento do coronavírus no território brasileiro.
Nossos entrevistadores (estão) de braços cruzados em algumas cidades, e sendo tratados como criminosos em outras
PEDRO CURI HALLAL
Reitor da UFPel
As Secretarias Estaduais de Saúde receberam ofício do Ministério da Saúde sobre a realização da pesquisa. A notificação também foi enviada aos Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e ao Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúdes (Conasems), e a pesquisa, financiada pelo próprio Ministério da Saúde, foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Mas nada disso adiantou para evitar reações adversas da população.
— É um absurdo. Nossos entrevistadores de braços cruzados em algumas cidades, e sendo tratados como criminosos em outras. Os prefeitos e secretários de Saúde são, em sua maioria, parceiros, e acreditando no valor da ciência, mas outros estão se comportando como se fossem xerifes, utilizando força policial para atrapalhar a pesquisa, ao contrário de outros locais, onde as forças de segurança auxiliam as equipes da pesquisa — lamenta o pelotense Pedro Curi Hallal, reitor da UFPel e coordenador do maior estudo epidemiológico brasileiro sobre covid-19.
Agressões
Em Santarém (PA) a polícia levou a equipe da pesquisa para a delegacia e apreendeu os testes para a covid-19. Houve detenções em São Mateus (ES), Imperatriz (MA), Picos (PI), Patos (PB), Natal (RN), Crateús e Serra Talhada (CE), Rio Verde (GO), Cachoeiro do Itapemirim (ES), Caçador (SC) e Barra do Garça (MT), afirmam os coordenadores do trabalho, da Universidade Federal de Pelotas, e o Ibope, que faz o trabalho de campo.
Em Mossoró (RN), os entrevistadores relatam que foram agredidos na rua, acusados de violar a quarentena; em Crateús (CE), as autoridades disseram que não poderiam garantir a segurança da equipe.
Os pesquisadores ainda esperam autorização de 42 prefeituras para continuar o trabalho, entre elas capitais de Estado, dizem os coordenadores do estudo e o Ibope. Em cidades como Governador Valadares (MG) não houve detenção, mas o material da pesquisa foi apreendido. Em Rondonópolis (MT), os entrevistadores estão presos no hotel, esperando liberação municipal.
Pesquisa
O estudo parece uma pesquisa de opinião, eleitoral, por exemplo. Mas, em vez de contar suas preferências para o entrevistador, a pessoa sorteada pela pesquisa dá uma amostra de sangue da ponta do dedo, coletada em sua casa. Com o teste de uma parcela da população, é possível estimar quantos foram infectados no país inteiro.
Durante a pesquisa, as pessoas são entrevistadas e testadas em casa, por meio de sorteio aleatório. Se o resultado do teste der positivo, os profissionais entregam informativo com orientações e repassam o contato do participante para a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, que ficará responsável por informar as Secretarias de Saúde locais para acompanhamento e suporte dos casos. Enquanto aguardam pelo resultado, os entrevistados também responderão a um questionário sociodemográfico e indicarão se estão sentindo sintomas característicos da covid-19.
Os dados coletados servirão de base para estimar o percentual de brasileiros infectados, avaliar os sintomas mais comumente relatados, estimar recursos hospitalares necessários ao enfrentamento da pandemia e permitir o desenho de estratégias para abrandar as medidas de isolamento social.