Em 1997, aos 16 anos e já aprovado no vestibular para Educação Física, Pedro Hallal deixou Pelotas para trás e rumou ao Rio de Janeiro para realizar o sonho de ser jogador de futebol. Foram dois dias de testes no Flamengo e neste sábado (9) o meia-direita, exímio cobrador de faltas, foi à campo novamente, mas agora conduzindo a terceira fase do maior estudo epidemiológico do mundo sobre a covid-19.
Rejeitado no rubro-negro da Gávea, Hallal se dedicou à faculdade. Tornou-se uma das principais referências em pesquisas globais sobre atividade física e em 2017 venceu a eleição para a reitoria da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Desde então, é o mais jovem professor a conduzir uma instituição federal de Ensino Superior no país. A gestão de um complexo educacional com 20 mil estudantes, 3.150 funcionários e orçamento anual de R$ 800 milhões o afastou da investigação científica, sobretudo da antiga rotina de mapear comportamentos mundo afora na coordenação do programa de pós-graduação em epidemiologia da UFPel. Até que uma doença misteriosa surgida na China espalhou morte e medo pelo planeta, na mais letal pandemia dos últimos tempos.
Hallal estava em casa no domingo, 22 de março, quando a secretária estadual de Saúde, Arita Bergmann, sugeriu a realização de um estudo sobre o avanço da covid-19 baseado em testes rápidos. A ideia surgiu num grupo de WhatsApp formado dias antes por iniciativa do secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia, Luís Lamb. O objetivo era reunir num fórum digital os principais especialistas das universidades gaúchas em saúde pública, epidemiologia, administração hospitalar e tecnologia da informação. A partir das discussões, o governo do Estado queria montar uma base de dados capaz de guiar a tomada de decisões no enfrentamento do novo coronavírus.
Eram 12h59min quando Hallal respondeu à secretária. “Arita, eu posso ajudar com o desenho e a logística dessa pesquisa”. Começava a tomar forma o estudo que está acompanhando o avanço quinzenal da covid-19 no Estado. A cada duas semanas, 4,5 mil pessoas são testadas para que se possa aferir qual percentual da população tem anticorpos e qual está contaminado com sintomas leves ou nenhum, o quão rápido o vírus está se espalhando e qual a mais confiável estimativa de letalidade. Com essas respostas, o governador Eduardo Leite está dando início nos próximos dias a uma gradual flexibilização da quarentena.
A eficácia do experimento gaúcho despertou o interesse do Ministério da Saúde e a partir da próxima semana a pesquisa terá abrangência nacional, com três fases de testes em 33.250 pessoas. Estudos semelhantes estão sendo conduzidos na Áustria e na Islândia, mas com um universo bem menor de pessoas — 1.544 testes na Áustria e 2.283 na Islândia.
— Cada estimativa que se tem numa pesquisa possui uma margem de erro própria, mas no gerala margem de erro da nossa é ao redor de 1 ponto percentual, para mais ou para menos. Além disso, o teste que usamos é muito bom, com sensibilidade de 85% (máximo de 15% de falsos negativos) e especificidade de 99% (máximo de 1% de falsos positivos), o que também dá muita confiança para os resultados da pesquisa — explica o reitor.
Hallal viu no estudo pandêmico um retorno às origens acadêmicas. O adolescente que ingressou na faculdade pensando em se tornar treinador de futebol logo seria atraído pelo universo das pesquisas. Foi assim que aos 27 anos ele se tornou o mais jovem membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e, em 2012, liderou o maior estudo sobre atividade física durantes os chamados ciclos olímpicos, renovado a cada quatro anos. O trabalho é publicado na revista Lancet, das mais renomadas publicações sobre medicina do mundo, editada desde 1823.
Pós-doutor pelo Instituto da Saúde da Criança da Universidade de Londres, ele venceu em 2011 o prêmio Wellcome Trust Young Investigator, com o qual obteve financiamento para suas pesquisas sobre efeitos da inatividade física na saúde. O reconhecimento profissional e o prestígio popular levaram seis partidos a convidá-lo a disputar a prefeitura de Pelotas neste ano, mas Hallal recusou educadamente. Também não vai disputar à reeleição à reitoria e já conta o prazo para o fim do mandato. Precisamente 247 dias, 10 horas e 30 minutos na manhã de sexta-feira (8), quando questionado por GaúchaZH.
Com três médicos na família – o pai Pedro e as duas irmãs, Cinthia e Elisa; a mãe Tânia é assistente social – o reitor encontrou no estudo científico um paralelo com a vocação do clã para cuidar dos outros.
Aos 40 anos, casado, com um filho e três enteados, o meia esnobado pelo Flamengo e que na infância enfrentava um craque dentuço chamado de irmão do Assis quer mais é voltar à sala de aula e aos laboratórios. E se sobrar tempo, praticar um pouco de exercício ao ar livre, sem risco de contrair nenhuma doença.
— Só tenho jogado frescobol no pátio — lamenta.