Na contramão das evidências científicas disponíveis e de consensos de entidades de saúde, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República afirmou, em rede social, nesta quinta (21), que a hidroxicloroquina "é o tratamento mais eficaz" contra o coronavírus. A fonte da informação é um questionário online, feito por e-mail, que não tem peso de evidência científica.
— A informação foi levantada por uma pesquisa internacional feita com mais de 6 mil médicos de 30 países — afirma a postagem.
A afirmação da secretaria vem de um relatório do início de abril da Sermo, plataforma de online para médicos, resultante de questionários enviados. O relatório também aponta que os tratamentos mais comuns usados contra o coronavírus eram analgésicos, azitromicina e hidroxicloroquina. Segundo a plataforma, os médicos afirmavam que a hidroxicloroquina foi escolhida como tratamento mais efetivo por 37%.
A eficácia de medicamentos não é medida através de questionários. Para identificar se uma droga tem efeito ou não sobre uma doença, pesquisadores fazem estudos com administração do medicamento para um grupo de pacientes ao mesmo tempo que um segundo grupo recebe o tratamento padrão disponível (o que é chamado de grupo controle).
A melhor evidência científica é derivada de testes duplo-cegos (quando nem os voluntários nem o pesquisador sabem quem está tomando o quê) para impedir vieses. Um médico pode, por exemplo, desejar que o medicamento funcione e ter a impressão de que o paciente tratado com a droga indicada por ele teve uma evolução boa.
Por isso, é importante que os estudos apontem quais parâmetros estão sendo analisados, como tempo de melhora com ou sem medicamento, evolução para óbito ou cuidados intensivos, eliminação do vírus do corpo (no caso da covid-19) e sinais vitais. Nenhuma dessas informações consta no relatório citado pela Secom.
A afirmação da secretaria também ignora os estudos sérios e recentes publicados em revistas científicas que norteiam a medicina baseada em evidências, os quais apontaram que a cloroquina não tem eficácia contra a covid-19, associada ou não à azitromicina. Os estudos levaram em conta fatores como evolução do quadro (morte ou intubação), eliminação do vírus do corpo e um possível efeito profilático da droga.
Vale destacar também que, à época em que o relatório foi produzido, as evidências quanto à hidroxicloroquina eram ainda mais escassas. Os maiores estudos sobre o assunto foram publicados nas últimas semanas.
A Folha de S.Paulo entrou em contato com assessoria de imprensa da secretaria e até a publicação desta reportagem não teve retorno.