O coronavírus deixou mais uma marca impiedosa no Vale do Taquari: Gilmar Engel, 56 anos, e Rodolfo Felipe Engel Neto, 32, pai e filho, faleceram no início da madrugada de terça-feira (5) praticamente no mesmo horário. Gilmar estava internado no Hospital Bruno Born, em Lajeado, e Rodolfo recebia cuidados no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Inicialmente, familiares obtiveram a informação de que eles teriam morrido em um espaço temporal inferior a 30 minutos. Detalhes mais precisos chegaram horas depois.
— Isso eu fiquei sabendo ontem (terça) à noite. O Rodolfo faleceu à 1h e o Gilmar, à 1h01min. É muito triste isso, foi tudo muito rápido. É como se fosse morte por acidente, simplesmente nos arrancaram eles — diz Marcos Engel, 38 anos, morador de Santa Rosa, irmão de Gilmar e tio de Rodolfo.
A mãe da família, Leni, também contraiu a covid-19 e está internada, mas apresenta quadro estável, mantendo contato diário com parentes.
Gilmar e a companheira viviam no bairro Conservas, na periferia de Lajeado, enquanto Rodolfo residia em Cruzeiro do Sul, cidade vizinha. Familiares contam que eles, provavelmente, sofreram as contaminações pelo coronavírus em períodos muito próximos, mas com evoluções e sintomas diferentes.
Gilmar tinha diabetes e uma parte do pé amputada, o que causava preocupação aos parentes. Nos primeiros dias de sintomas, ele repousou em casa por cerca de uma semana.
— Ali pelo dia 28 de abril, o Gilmar, meu irmão, tinha uma consulta com o cardiovascular. No que ele chegou lá, passou mal, sentiu falta de ar e já ficou internado no Hospital Bruno Born. Foi entubado e perdemos o contato com ele. A minha cunhada apresentava sintomas, mas não tão graves. Acredito que ela poderá ir para casa em seguida — conta Marcos.
Rodolfo não esperou e, tão logo apresentou sintomas, procurou atendimento médico em Cruzeiro do Sul. Ele foi orientado a ficar isolado entre cinco e seis dias para, depois, fazer um teste de covid-19. No dia 30 de abril, porém, sentiu-se mal e precisou procurar a rede hospitalar de Cruzeiro do Sul.
— Ele me ligou, disse que estava com muita falta de ar. Acabou se internando e chegou a fazer exames dos pulmões em Estrela. No sábado (2), resolveram levá-lo para o Hospital de Clínicas em Porto Alegre, mas o estado já era gravíssimo — conta Marcos.
Depois disso, Rodolfo também ficou incomunicável. Ele e o pai foram sepultados no cemitério municipal de Lajeado, sem cerimônias fúnebres.
— Dói não ter a última palavra, o último abraço. O pior, e que deixa a gente ainda mais doído, é não poder fazer a despedida, ajeitar o corpo e dar o último adeus — lamenta Marcos, irmão caçula de Gilmar.
Quem conviveu com pai e filho nos últimos anos conta em uníssono que eram pessoas muito queridas por amigos e vizinhança. Gilmar é natural de Santa Rosa, teve uma passagem por Alvorada, onde nasceu Rodolfo, e depois a família se fixou em Lajeado, cidade em que residiam há mais de duas décadas. Rodolfo, já adulto, foi para a limítrofe Cruzeiro do Sul.
O pai tinha uma mercearia no bairro Conservas, região humilde em que é lembrado por ter auxiliado a Escola Estadual de Ensino Fundamental São João Bosco com mantimentos.
— O Gilmar tinha um relacionamento grande com a comunidade. Em momentos difíceis, ele nos ajudou muito e trouxe alimentos para a escola. Era uma pessoa muito boa — recorda Loiva Crestani, diretora do colégio de Lajeado.
No passado, na mesma São João Bosco, ela lembra ter sido professora de Rodolfo.
— Era excelente aluno e virou um homem trabalhador e responsável — recorda Loiva.
Rodolfo era fã de bocha e música sertaneja
Amigos dizem que, em Cruzeiro do Sul, no limite com Lajeado, Rodolfo realizava o sonho de ter um comércio. O Bar do Rodolfão, uma alusão ao seu corpanzil, funciona no piso de baixo, no bairro Passo de Estrela. A residência fica no andar superior. Um estabelecimento bem ao estilo do interior gaúcho, com churrascada farta aos finais de semana, jogo de bocha e de sinuca.
— A gente tem um grupo de WhatsApp e sempre combinávamos de ir no bar dele para fazer churrasco, tomar cerveja, e nos matávamos de rir lá. Ele também organizava uns torneios de bocha. O vencedor ganhava um terneiro, um porco — diz o amigo William José Giovanella.
Ele conta que os prazeres de Rodolfo eram justamente o churrasquinho, ou muitos emendados um ao outro, e tomar uma cerveja com amigos nos momentos de folga. Jogar bocha também era do seu agrado, assim como ouvir música sertaneja e trajar anéis e correntes de ouro.
— Fico emocionado de falar porque todo mundo gostava dele. Era amado por todos. Churrasco era o final de semana inteiro. Ele nos dizia: 'Azar, foguete não tem ré' — recorda Giovanella, com uma tímida risada saudosista.
Também vizinho do Bar do Rodolfão, Valcir da Silva ressalta outra característica do amigo: um bom ouvinte para quem precisava desabafar.
Ainda na juventude, Rodolfo chegou a ganhar uma bolsa de estudos em uma escola particular de Lajeado devido ao seu talento com o basquete, recorda a professora Loiva. Em despedidas nas redes sociais, parceiros de quadra postaram fotos de Rodolfo após partidas amistosas, se referindo a ele pelo apelido "Shaq", uma referência ao ex-pivô da NBA Shaquille O'Neal, um dos jogadores mais fortes e vencedores da história da liga norte-americana.