A imagem revelada pela câmera pouco lembrava a fisionomia habitual do dindo Léo — o Gordo, o Gordinho, como é carinhosamente chamado. Deitado em um leito do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, o funcionário público Leonardo Ramos Scharlau, 40 anos, sempre tão participativo na vida dos afilhados, estava sedado e respirando com o auxílio de aparelhos.
Prima de Leonardo, Sabrina Ramos da Silva, 38 anos, pôde vê-lo para tentar aliviar a aflição. Por meio de uma visita virtual, em que um carrinho com um monitor em cima é aproximado do paciente e uma chamada de vídeo conecta o CTI aos familiares do lado de fora, ela percorreu o ambiente onde Leonardo estava internado e também conversou com os profissionais responsáveis pelos cuidados. O doente ainda não tinha um diagnóstico definido — os testes para coronavírus não haviam sido conclusivos até então.
Novo modelo de contato implementado pela instituição, o diálogo facilitado pelos meios digitais é uma iniciativa que assegura proteção por múltiplas vias. Muitas vezes, os parentes que desejam visitar estão em isolamento domiciliar, por terem tido contato próximo com o indivíduo infectado. Outro fator impeditivo é que há risco de o visitante, mesmo sem querer, levar o vírus para dentro do ambiente delicado do hospital. E também acontece de o familiar não querer se expor à ameaça de entrar em uma unidade cheia de pessoas com diagnóstico positivo para uma enfermidade com elevado potencial de transmissibilidade.
Os primeiros sintomas de Leonardo foram febre e tosse. De repente, ele sentiu uma forte dificuldade para respirar. Depois de ser atendido na Emergência, foi levado para o CTI. Com hipertensão e obesidade, o funcionário público integra o grupo de risco para a virose.
Sabrina e Leonardo se consideram irmãos, tamanha a afinidade e a proximidade de que desfrutam — Léo é padrinho das duas filhas da enfermeira, Maria Luísa, oito anos, e Melissa, dois anos. Ansiosa por notícias e sentindo saudade do dindo que adora dar presentes e brincar, a primogênita acompanhou a mãe em uma incursão virtual pelo CTI. Sabrina, que trabalha no Hospital de Clínicas e está habituada ao ambiente que circunda os enfermos mais graves, preparou a filha antes.
— Ele está muito doente, com um tubinho na boca para poder respirar — explicou ela a Malu.
Sabrina, que já realizou uma visita presencial ao primo, observou-o através do vidro da porta em um dos encontros virtuais. Em outro, a porta foi aberta por uma enfermeira. Sabrina reconhece o valor do trabalho dos colegas da área da saúde, que fazem questão de se apresentar — mesmo que as máscaras impeçam a visualização total do rosto —, mostrar o local onde trabalham, passar informações do quadro clínico.
— Acabo sempre agradecendo e elogiando o serviço deles. Sei como isso dá um respiro para nós. Cuidamos tanto das pessoas. Esses profissionais, apesar de estarem vivendo todo esse estresse, estão passando muita humanidade — comenta Sabrina.
O CTI do Moinhos de Vento organizou uma agenda para as videochamadas, que duram 15 minutos. O setor contata os familiares para saber se há interesse em participar. A novidade foi concebida a partir de experiências anteriores da instituição com a telemedicina e com a permissão para a presença de parentes dentro do setor de cuidados intensivos, considerada extremamente positiva para a melhora. A plataforma é acessada ao se clicar em um link enviado por e-mail. Quando o paciente não está sedado, pode-se conversar, acenar, gesticular ou transmitir mensagens escritas.
Felipe Cabral, coordenador médico de Saúde Digital do Hospital Moinhos de Vento, mostra-se satisfeito com os primeiros resultados do projeto que acaba de ser colocado em prática.
— Imagine seu pai internado em uma UTI e você sem poder vê-lo. Isso gera uma grande ansiedade. Gera ansiedade também entre os profissionais de saúde. A angústia é muito grande. Na visita virtual, o familiar pode conhecer os profissionais, o plano de trabalho, as medidas de proteção. Isso dá um certo alívio, um conforto no coração. E se, além disso, você puder ver e conversar com o seu familiar, melhor ainda — diz Cabral, que acompanhou o instante em que um paciente internado pôde ver, na tela, a esposa e a filha, que estavam em casa, e se emocionou junto deles.
Cabral, intensivista pediátrico de formação, destaca que o paciente em terapia intensiva costuma ser, na maior parte das vezes, muito solitário.
— Ter um ente querido do seu lado faz você querer lutar. É muito importante a pessoa acreditar que vai ser curada — acredita.
Daiana Barbosa, coordenadora de Enfermagem do CTI Adulto do Moinhos de Vento, participa ativamente das videochamadas. A enfermeira relata que a conversa da família com a equipe assistencial, mesmo que a distância, permite tirar dúvidas e, consequentemente, ter certeza de que todo o possível está sendo feito.
— Se os familiares não nos conhecem, podem ficar fantasiando: "Como cuidam do meu familiar?". Ao mostrarmos o rosto, deixamos de ser imaginários. Passamos a ser concretos e criamos um vínculo — afirma Daiana. — Quando os pacientes olham os filhos, a esposa, o marido, penso que estou cuidando do maior amor da vida de alguém. É como se isso recarregasse a equipe. E para o paciente, quando ele vê que a gente se preocupa também com essa parte, é muito gratificante — completa a enfermeira.