A portaria do Ministério da Educação (MEC) que autoriza a colação de grau antecipada de alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, para atuação no combate à pandemia de coronavírus, ainda divide as opiniões de entidades, universidades e dos próprios formandos.
Publicada no Diário Oficial da União nesta segunda-feira (6), a medida vale para instituições federais de ensino e servirá apenas durante a situação de emergência de saúde pública. Para antecipar a formatura, os alunos de Medicina precisam ter cumprido 75% da carga horária prevista para o período de internato médico, que equivale ao estágio curricular feito nos dois últimos anos do curso. Para os cursos de Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, o estágio obrigatório supervisionado é equivalente a 20% da carga horária total do curso.
Presidente do Cremers, Eduardo Trindade é contra a medida do Ministério da Educação. Segundo ele, alunos de Medicina do quinto e do sexto anos, apesar de já estarem em estágios supervisionados por professores, não têm condições de conduzirem sozinhos diagnósticos e tratamentos de pacientes.
— Eles podem, sim, atuarem no combate ao coronavírus, mas sempre com a supervisão de alguém mais experiente. Não se pode tirar essas atividades práticas dos estudantes, pois são elas que lhes darão mais experiência para depois de formados — justifica.
Já o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicou nesta segunda, em sua página oficial, uma resolução, assinada pelo presidente da entidade, Manoel Carlos da Silva, autorizando os conselhos regionais de Enfermagem a concederem a inscrição profissional aos egressos de cursos de Enfermagem, de qualquer nível de formação, sem que tenham colado grau, mediante apresentação de declaração de conclusão de curso emitida pela instituição de ensino.
Entre os estudantes, ainda pairam dúvidas sobre locais de trabalho, se haverá remuneração, como serão completadas as horas de estágio, entre outras questões. Aluna do último semestre de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Franciele Pereira, 34 anos, ainda tem pelo menos mais dois meses de estágio em pediatria antes da formatura, inicialmente prevista para junho deste ano. Pelo menos outros 65 colegas, relata, também deverão concluir o curso neste semestre.
— Boa parte da turma é favorável à antecipação da colação de grau, apesar de ainda termos inúmeras dúvidas sobre como funcionará a portaria. Creio que estamos aptos a atuarmos nos atendimentos de baixa e média complexidade, dando suporte nas unidades básicas de saúde. Porém, não é prudente nos colocarem sozinhos assumindo casos graves, na linha de frente de uma emergência de atendimentos de covid-19 — justifica Franciele.
Nesta terça-feira (7), a universidade deverá ser reunir com os estudantes do último semestre de Medicina para definir os rumos.
Prudência é a palavra também para Gabriele Peres de Sousa, 24 anos, estudante do último semestre de Enfermagem na UFRGS. Com formatura prevista para ocorrer entre julho e setembro, a jovem nem tinha completado cem das 300 horas de estágio hospitalar quando as práticas foram suspensas até o hospital se readequar para receber pacientes com covid-19. Desde então, ela aguarda para retornar às atividades que lhe garantirão a experiências que considera fundamental para a formação profissional. Segundo Gabriele, apenas cinco dos 45 alunos do semestre final já teriam cumprido a carga horária necessária do estágio.
— Não posso afirmar que estou preparada para o mercado de trabalho, pois não tenho a carga horária mínima, como exigido na nova portaria. A maioria dos estudantes da Enfermagem estão nessa situação. Entretanto, a atuação da enfermagem na prevenção, gestão e cuidado como um todo é de extrema importância — aponta Gabriele.
Pertencente à turma do último ano de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), com formatura prevista para dezembro, Victória Lau, 24 anos, vê na antecipação do final do curso uma questão contraditória. Por enquanto, a turma de Victória, de 78 alunos, não faz parte da atual portaria, que tem validade inicial para os próximos 90 dias. Com os estágios suspensos no hospital, ela está atuando como voluntária no Disque Vigilância 150, respondendo por telefone e e-mail dúvidas da população gaúcha.
— Estamos no momento mais importante de toda a nossa preparação profissional. Antecipar um CRM é uma questão muito complexa porque estaremos em um ambiente de trabalho completamente diferente, sem a experiência necessária. Não seria bom para o recém formado, nem para a população — argumenta.
UFRGS e UFCSPA avaliam portaria
A UFRGS iniciou a segunda-feira com reuniões para discutir a portaria. A instituição informou, por meio da assessoria de imprensa, que será realizada uma consulta formal junto às coordenações dos cursos para só então posicionar-se sobre a decisão do MEC. Se aprovada, definirão como viabilizá-la. A decisão da universidade deverá sair nos próximos dias.
Na UFCSPA, a reitora Lucia Pellanda informou que a instituição está avaliando a portaria. A formatura antecipada, ressaltou a docente, já ocorreu em outras situações de emergência da humanidade, como na Segunda Guerra Mundial.
— Acreditamos que este é um momento de aprendizado intenso, e um grande número dos nossos alunos já está envolvido no esforço de enfrentamento ou quer contribuir. No entanto, não há uma forma simples de fazer isto. Os alunos estão nos últimos seis ou sete meses de estágios. Eles, geralmente, ficam alguns meses em cada área. Isso significa que uma formatura antecipada poderia representar uma área inteira faltando na formação. Por isto, temos que avaliar com cuidado — destaca a reitora.
O que diz a Portaria nº 374/2020
As instituições de ensino pertencentes ao sistema federal de ensino ficam autorizadas pelo Ministério da Educação, em caráter excepcional, a anteciparem a colação de grau dos alunos regularmente matriculados no último período dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, desde que completada 75% da carga horária prevista para o período de internato médico ou estágio supervisionado, exclusivamente para atuar nas ações de combate à pandemia do novo coronavírus — covid-19, enquanto durar a situação de emergência de saúde pública, na forma especificada nesta Portaria.
A seleção e alocação dos profissionais será articulada com os órgão de saúde municipais, estaduais e distritais. Conforme a portaria, a carga horária dedicada pelos profissionais no esforço de contenção da pandemia deverá ser computada pelas instituições de ensino para complementação das horas devidas de estágio obrigatório, para a obtenção do registro profissional definitivo. A atuação dos profissionais também será bonificada, uma única vez, com o acréscimo de 10% na nota final do processo de seleção pública para o ingresso nos programas de residência.