Medidas judiciais e administrativas em vários Estados vêm comprometendo o planejamento de hospitais, laboratórios e da indústria farmacêutica na distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs) a seus profissionais de saúde e funcionários.
Em alguns casos, até decisões da Justiça do Trabalho, com base em ações coletivas, chegaram a determinar o fornecimento de materiais de proteção a outros profissionais fora da área da saúde, como funcionários de edifícios, porteiros e seguranças em prazos de 24 horas ou 48 horas, sob pena de multas.
A falta de critérios definidos que autorizem esses e outros tipos de confisco — na maior parte amparados por decretos estaduais ou municipais — levou 11 entidades da área médica a pedirem intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
De acordo com a reclamação encaminhada ao STF e ao CNJ, o número de profissionais de saúde afetados pela covid-19 em procedimentos hospitalares tem aumentado rapidamente, assim como a escassez de equipamentos de proteção.
As entidades encaminharam também uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal para que haja normatização que delimite as circunstâncias em que esse tipo de confisco possa vir a ocorrer. Elas pedem que as requisições administrativas sejam precedidas pelo esgotamento de outros meios e que os atingidos sejam ouvidos antecipadamente.
Solicitam, ainda, que sejam feitas de forma coordenada pelo Ministério da Saúde e proporcionais às necessidades identificadas nas regiões onde ocorrem, e que a Justiça do Trabalho evite destinar equipamentos a profissionais que não lidem diretamente com a pandemia.
— O que acusam o governo (de Donald) Trump de ter feito em relação a equipamentos que teriam sido desviados de outros países para os Estados Unidos não é muito diferente, guardadas as proporções, de alguns casos que temos registrado — diz Marco Aurélio Ferreira, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), que reúne 122 hospitais e entidades filantrópicas.
Os casos mais ruidosos até agora foram o confisco da produção, por seis meses, de ventiladores respiratórios da empresa paulista Magnamed, pelo Ministério da Saúde, e de 500 mil máscaras da 3M, pelo governo de São Paulo.
Mas há uma série de outros episódios que vêm desorganizando o planejamento dos envolvidos no combate à covid-19 no Brasil e em outras frentes médicas. Segundo Fernando Silveira Filho, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed), a aleatoriedade nessas requisições por estados e municípios pode potencializar o cenário de falta de equipamentos, à medida que gera "assimetrias no abastecimento".
Silveira Filho afirma que cerca de 60 países em todo o mundo estabeleceram restrições às exportações de equipamentos de segurança hospitalar ou de matérias primas para sua confecção, em uma cadeia ampla e complexa — o que passou a exigir das empresas mais previsibilidade na produção e distribuição.
Outra preocupação, de acordo com ele, é como os itens com tecnologia mais sofisticada vêm sendo manipulados e transportados após os confiscos, que também acabam afetando os laboratórios.
— Além de nossos estoques estarem minguando, agora entrou essa variável, que causa muita apreensão — afirma Priscilla Franklin Martins, presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).
Na indústria farmacêutica, grande consumidora de equipamentos de segurança, além da preocupação com o abastecimento, tem havido aumento de preços de matérias primas devido ao cancelamento, em todo o mundo, de milhares de voos de passageiros, que geralmente são usados pelo setor para subsidiar custos.
Isso, mais o congelamento por 60 dias de um aumento de preços de 4%, deve afetar tanto a rentabilidade das indústrias quanto as verbas para novas pesquisas, afirma Nelson Mussolini, presidente do Sindicato da Indústria Farmacêutica do Estado de São Paulo (Sindusfarma).