Defensor do distanciamento social entre as pessoas, do isolamento horizontal – e não o isolamento vertical, que envolve apenas as pessoas mais vulneráveis, como o presidente Jair Bolsonaro declara ser favorável –, de perfil técnico e atento ao que a ciência aponta sobre o coronavírus, além de preocupado com a saúde e também com a economia: o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, é, em muitas características, bastante parecido com seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta, demitido do cargo na tarde desta quinta-feira (16). Diante disso, médicos ouvidos pela reportagem de GaúchaZH, alguns deles bastante familiarizados com a atuação do novo titular da pasta, apontam que a substituição foi, mais do que técnica, eminentemente política.
Definindo-se como preocupado diante da mudança, o infectologista Luciano Goldani, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o perfil de Teich não é uma questão problemática para o adequado combate à pandemia: o que o intriga é uma mudança de comando justamente em meio a esta crise – especialmente quando, em sua avaliação, o Ministério da Saúde vinha apresentando boa atuação no enfrentamento à covid-19.
— O que me preocupa não é a troca do ministro, mas de toda a equipe. Isso é difícil: no meio de uma crise, reunir um grupo tão coeso e técnico como o que estava com o ministro anterior. A gente tinha uma equipe bem coesa, com profissionais bem conhecidos, coerentes, e agora vai ter que mexer em tudo no meio de uma crise — declara Goldani.
Ao negar, na quarta-feira (15), o pedido de demissão do então Secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, Mandetta explicou, também referindo-se ao então secretário executivo, João Gabbardo, que "entramos no ministério juntos, estamos no ministério juntos e sairemos do ministério juntos". A expectativa, portanto, é que boa parte do "núcleo duro" do Ministério da Saúde também passe por trocas com a chegada de um novo mandatário.
Quanto a Teich, o infectologista explica que os posicionamentos expostos por ele até o momento condizem com o que se espera de um médico e, ainda mais, de um ministro da Saúde.
— Ele defende o distanciamento social, é um cara ponderado. Entende que a economia também é importante ao se lidar com a saúde, nada muito diferente do que se viu com o Mandetta. O que chama atenção é que isso não é em nada parecido com o que o presidente da República defende — explica Goldani, ponderando que a expectativa é por um ministério marcado pela continuidade.
— Mas uma coisa são manifestações antes do ministério, que foram bem ponderadas. Vamos ver como vai agir agora que está no governo — completa ele.
Amigo pessoal de Nelson Teich, o também oncologista Stephen Stefani é especialista em economia da saúde, mesma área de atuação do novo ministro da Saúde. Ele garante que a equipe a ser formada por Teich "vai brigar pelo Brasil", buscando uma transição o menos traumática possível.
— Não acredito que haja mudanças importantes. (Teich) Não é alguém que vai chegar com uma leitura dizendo que está tudo errado — explica Stefani.
O médico reforça o perfil identificado para Teich: um profissional pautado pela ciência, perfil técnico, a favor do distanciamento social e preocupado com a responsabilidade orçamentária. Ele explica da seguinte forma a relação entre economia e saúde, que pauta os atuais governos como se fossem áreas antagônicas.
— Não existe como tomar decisão em saúde desconsiderando questão econômica. O objetivo agora não é diminuir risco de morrer por covid-19, mas diminuir o risco de morrer e ponto — diz o oncologista.
Quanto a outro aspecto que tem pautado as discussões dos governos federal, estaduais e municipais no Brasil, o infectologista Fabio Lopes Pedro, professor no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), a de afrouxamento ou não do distanciamento social no país, explica que não vê nenhuma mudança, de ganhos ou perdas, com a entrada de Nelson Teich no Ministério da Saúde.
— Nesta situação em que estamos, o cargo de ministro da Saúde não serve para pautar condutas e estratégias locais. Nunca foi tão reforçada a necessidade de a saúde ser municipalizada — afirma o médico.
Já o também infectologista Gerson Salvador, especializado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), diz que enxerga com desconfiança o anúncio do novo ministro. Para ele, Mandetta caiu por conta de ter defendido estratégias cientificamente reconhecidas, como o distanciamento social para tentar controlar o número de casos de coronavírus no Brasil. Para Bolsonaro anunciar um mandante em seu lugar, é preciso que ele sustente as práticas defendidas pelo presidente da República, em desacordo com o que prega a Organização Mundial da Saúde (OMS) e, até agora, o próprio ministério brasileiro.
— Houve duas grandes divergências entre Mandetta e Bolsonaro: a defesa ou não do isolamento social e de soluções científicas em relação à liberação de novos tratamentos contra o coronavírus. Nelson Teich vem do empresariado, ligado à medicina de grupo e ao segmento empresarial da saúde. Não é o perfil mais adequado neste momento. O país precisa de especialistas em saúde pública e pessoas com elevado compromisso com a saúde da população — diz Salvador.
A desconfiança com que recebe o nome do novo ministro, segundo o infectologista, dá-se também porque é alguém apoiado por Bolsonaro, "que entre os chefes de Estado do mundo, é o que tem conduzido de forma mais desastrosa o combate à covid-19, com declarações anticientíficas e incentivando as pessoas a tomarem medidas irresponsáveis".