Protagonista do maior desafio sanitário da história recente no Brasil, Luiz Henrique Mandetta, 55 anos, teve a iminente demissão do Ministério da Saúde confirmada nesta quinta-feira (16). Nos últimos dois meses, o ex-ministro saiu da sombra para se tornar referência no controle do coronavírus em um país de proporções continentais, sendo mais bem avaliado pela população na condução da pandemia do que o presidente Jair Bolsonaro. Instaladas desde o início da crise, as divergências entre chefe e subordinado levaram a sua queda.
Mandetta adotou uma postura técnica e sem ideologias, seguindo protocolos internacionais e colhendo elogios da classe política e da comunidade médica. Enciumado, o presidente passou a desafiar a ciência, defendendo o declínio das medidas de distanciamento social e insistindo no uso da cloroquina ainda na fase inicial do tratamento da covid-19.
O ex-ministro chegou a modular o discurso, mas, nos últimos dias, partiu para o enfrentamento. Disparando críticas indiretas a Bolsonaro, viu sua permanência, até então tutelada pela ala militar, transformar-se em um plano insustentável.
– Sessenta dias tendo de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda. Depois, muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado. Em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante — desabafou, em entrevista à Revista Veja, na quarta-feira (15).
De Campo Grande para Brasília
Nascido em Campo Grande, Mandetta é o caçula dos cinco filhos de Maria Olga e Hélio, médico referência em ortopedia no Mato Grosso do Sul. Deixou o Centro-Oeste aos 17 anos, quando se mudou para o Rio para cursar Medicina na Universidade de Gama Filho.
Seguindo o currículo do pai, especializou-se em ortopedia. Estudou em Atlanta, nos Estados Unidos, antes de retornar a seu Estado. Fez carreira médica na capital sul-mato-grossense, atuando nos hospitais do Exército e Universitário e na Santa Casa. Não tardou a despontar como liderança da categoria, comandando um grupo de doutores que derrubou a hegemonia de profissionais mais antigos no comando da Unimed da cidade. Em 2001, tornou-se o mais jovem presidente da cooperativa.
Nativo de uma oligarquia (é primo de senador, de deputado e de prefeito), o ministro teve seu primeiro cargo público em 2005, na prefeitura do primo, Nelsinho Trad (PSD-MS), hoje senador e o primeiro integrante do Congresso a testar positivo para covid-19 após retornar dos Estados Unidos na comitiva de Bolsonaro. Foi nomeado secretário de Saúde de Campo Grande, enfrentando um grave surto de epidemia de dengue. Saiu da crise em alta, viajando pelo país para dar palestras sobre o controle do mosquito.
Na secretaria, Mandetta foi investigado, em 2008, por suposta fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois na implementação de um sistema informatizado de saúde. Até hoje, não há denúncia do Ministério Público, e o ministro nega irregularidades.
Sem nunca ter concorrido a um cargo público, lançou-se a deputado federal dois anos depois, rejeitando os conselhos de que, inicialmente, deveria tentar uma cadeira na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Repetia que sua discussão, a saúde, estava em Brasília. Na campanha, associou sua imagem à do pai, conhecido por ter feito 65 mil atendimentos no Estado. Em santinhos, Mandetta aparecia ao lado do pai e do slogan "voto saudável". Elegeu-se com mais de 78 mil votos.
Na Câmara, cumpriu dois mandatos. Ganhou destaque ao presidir a Comissão de Seguridade Social e Família, mas ficou mais conhecido em 2013, ao fazer oposição ao governo Dilma Rousseff e declarar que a vinda de cubanos para o Mais Médicos era um "navio negreiro do século 21". Em 2018, ao discordar do andamento do partido no Mato Grosso do Sul, anunciou que não concorreria a deputado federal novamente.
Mandetta aproximou-se de Bolsonaro durante a campanha eleitoral e sugeriu propostas para a saúde. Do grupo político da hoje ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), sua conterrânea, teve seu nome especulado e recebeu o respaldo de entidades médicas, hospitais filantrópicos e deputados ligados à saúde. Em 20 de novembro de 2018, depois de encontro com representantes do setor no Centro Cultural Banco do Brasil, sede de transição do presidente eleito, foi anunciado ministro de uma pasta com orçamento de R$ 128,2 bilhões.
Atento aos sinais emitidos da China, Mandetta alertou a equipe sobre a covid-19 em janeiro. Após o primeiro caso de coronavírus ser confirmado no Brasil, em 26 de fevereiro, passou a conceder coletivas de imprensa diárias e a encaminhar estratégias de enfrentamento à pandemia, cobrando mais orçamento para sua área.
O protagonismo, porém, causou desconforto em Bolsonaro, que chegou a classificar de "histeria" os cuidados com a pandemia e a comparar a covid-19 a uma "gripezinha". A auxiliares, o presidente vinha sinalizando o desejo de que Mandetta adotasse um discurso mais alinhado a ele, acalmasse a população e insistisse que a economia não pode parar.
Para interlocutores, os sinais provocaram uma mudança no discurso de Mandetta. O ajuste, contudo, durou pouco. Ciente da fritura política, o ex-ministro denunciou o descompasso e transformou sua queda em ônus para o presidente.
— Médico não abandona paciente — defendeu Mandetta, em 3 de abril.
— Mas paciente troca de médico — respondeu Bolsonaro, seis dias depois.