A Coreia do Sul virou exemplo no combate ao coronavírus. Na estratégia do país asiático de 51 milhões de habitantes, mais de 400 mil testes já foram feitos. As pessoas que recebem o resultado positivo são isoladas e tratadas, e seus contatos mais próximos são rastreados para passar pelo exame.
Dessa forma, uma rede de rastreamento é criada, e a expansão do vírus é bloqueada nas fontes do contágio.
Já no Brasil, o Ministério da Saúde diz que não há um levantamento sobre quantos testes já foram feitos no Brasil. A pasta apenas afirmou à reportagem que distribuiu 58 mil testes de biologia molecular (conhecidos como PCR), que levam mais tempo para ter resultado mais preciso, e 500 mil testes rápidos, que dão resposta em até 20 minutos mas têm limitações.
A realização de testes em uma parcela grande da população permite não só isolar infectados e deixar que a população sadia circule como também ter números mais reais sobre a taxa de infecção em uma cidade, em um Estado ou país, e elaborar políticas de saúde a partir desses dados. No Brasil, como só pessoas em quadros graves fazem os testes, há subnotificação.
Aqui, a estratégia para chegar perto do número de infectados é um estudo que fará 100 mil testes aleatórios. A cada duas semanas, pouco mais de 33 mil pessoas serão escolhidas para serem entrevistadas e testadas em todas as regiões. O processo será repetido em três fases.
—Hoje, a discussão sobre como e quando acabar com o isolamento social é muito frágil, os argumentos não são muito científicos. Fazer os testes é a única maneira segura de devolver as pessoas para o mercado de trabalho — afirma Paulo Hallal, epidemiologista, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do estudo.
De acordo com Hallal, a aplicação de testes em massa (ou inquérito sorológico) na população vai gerar dados para ajudar o Ministério da Saúde e os governos estaduais a escolher os melhores momentos para adquirir mais equipamentos hospitalares, como respiradores, ou a melhor forma de flexibilizar as quarentenas.
Mas, diferentemente da Coreia do Sul, a testagem do estudo brasileiro não prevê o rastreamento de casos de contatos próximos dos possíveis infectados, já que o critério para definir quem será testado é um sorteio aleatório.
As pessoas que tiverem um resultado positivo para o vírus vão receber um informativo com os procedimentos e serão contatadas pela secretaria de saúde local. Segundo Hallal, a pesquisa não tem como garantir testes para todos os moradores das residências, e a testagem das pessoas próximas dos infectados é uma decisão da assistência à saúde de cada município e das secretarias de saúde.
A pesquisa vai usar um teste rápido, que identifica se a pessoa foi infectada e desenvolveu os anticorpos contra o vírus, o que acontece entre sete e 10 dias após a infecção. O teste não diz se a pessoa está na fase aguda da infecção ou se já está livre do vírus.
—Para a informação que queremos, é um bom teste — diz Hallal.
Os testes serão cedidos pelo Ministério da Saúde. Capitaneada pela UFPel, a pesquisa conta ainda com colaboração da USP, FGV do Rio, Unifesp, Uerj e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Para Ivan França Júnior, epidemiologista da Faculdade de Saúde Pública da USP, embora o estudo seja capaz de produzir conhecimento sobre a dinâmica epidemiológica da doença, a estratégia talvez não seja a melhor neste momento para usar 100 mil testes no país.
— Tenho dúvidas se esse inquérito populacional vai gerar a informação necessária de uso imediato para criar ações preventivas — afirma França Júnior.
Isso porque, segundo o epidemiologista, a covid-19 tem mostrado ser de baixa prevalência no mundo todo. Até a sexta (3), haviam sido confirmados pouco mais de um milhão de casos no mundo todo, segundo dados compilados pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. A população mundial é estimada em 7 bilhões atualmente pela Organização Mundial das Nações Unidas.
Segundo França Júnior, a melhor metodologia no momento seria uma mistura de alta taxa de testagem, com o rastreio da rede de contatos mais próximos dos que têm a confirmação da doença, e isolamento social.
Embora não exista um número mínimo de exames para que uma ação seja considerada testagem em massa, o epidemiologista considera que a realização de 100 mil testes no Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, não configura testagem em massa.
Segundo o Ministério da Saúde, o país aguarda ainda para o mês de abril a chegada de 4,5 milhões de testes rápidos, parte da doação de 5 milhões de unidades do exame feita pela Vale.
Estudos sobre prevalência
A OMS anunciou, na semana passada, que planeja realizar um estudo internacional para determinar a prevalência da covid-19. Pelo menos seis países devem participar da iniciativa.
O estudo será feito a partir de testes com amostra de sangue para identificar que parcela da população desenvolveu os anticorpos contra o vírus. A agência vai trabalhar junto aos países para uniformizar os protocolos de pesquisa e, assim, os dados de diferentes partes do mundo poderão ser combinados.
Segundo a OMS, a pesquisa deve durar pelo menos um ano, mas resultados iniciais devem estar disponíveis para a comunidade científica dentro de poucos meses.
Assim como acontece com o inquérito sorológico que será feito no Brasil, a organização diz que um dos objetivos do projeto é entregar os dados aos governos para ajudá-los na criação de políticas públicas e na melhor definição das quarentenas.