O cardiologista Roberto Kalil Filho, do Hospital Sírio-Libanês, afirmou à reportagem que a citação de seu nome em pronunciamento em rede nacional do presidente Jair Bolsonaro, na noite desta quarta (8), foi uma "surpresa". O chefe do Executivo nacional parabenizou Kalil por ter declarado que foi medicado com a hidroxicloroquina.
O presidente defende que a droga — que ainda não tem comprovação de efeito contra a covid-19 — seja dada a pacientes em estágios iniciais da doença. Kalil, porém, recebeu a droga enquanto estava internado em estado grave. O médico não quis detalhar o que achou do pronunciamento ou do uso de seu nome e de casos individuais para falar sobre a indicação de hidroxicloroquina.
— É portaria do Ministério da Saúde. Os médicos estão autorizados a prescrever. Claro que não se sabe o resultado final disso, mas essa doença mata — disse o cardiologista, que não quis comentar sobre o protocolo da pasta quanto ao medicamento. — Eu não sou infectologista. Tem que discutir com os infectologistas — acrescentou.
Em pronunciamento, Bolsonaro disse que "após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países, passei a divulgar, nos últimos quarenta dias a possibilidade do tratamento da doença desde a sua fase inicial".
— Há pouco conversei com o doutor Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e compromisso com o Juramento de Hipócrates, ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos — afirmou o presidente. — Disse-me mais. Que, mesmo não tendo finalizado o protocolo de testes, ministrou o medicamento agora para não se arrepender no futuro. Essa decisão poderá entrar para a história como tendo salvo milhares de vidas no Brasil. Nossos parabéns ao doutor Kalil — completou.
Mais cedo, o médico afirmou ter usado a hidroxicloroquina. Ao jornal O Globo disse:
— Quando eu internei, o meu estado geral era péssimo. Era uma pneumonia em grau avançado. Foram discutidos vários tipos de tratamento, dentre elas a hidroxicloroquina, e aceitei. Meu estado não era bom e foi colocado uma gama de tratamentos. Fiz o uso (da hidroxicloroquina) sim. Melhorei só por causa dela? Provavelmente não. Ajudou? Espero que sim. Tomei também corticoide, anticoagulante, antibiótico.
Também ao jornal O Globo, mais cedo, ao ser questionado sobre a posição de Bolsonaro em defesa da droga, Kalil disse que embora a ciência esteja acima de tudo, a cloroquina já é usada há décadas e seu uso pode ser considerado em conjunto com outras medicações, com o objetivo de evitar que pacientes precisem de atendimento em UTIs.
— Independentemente de não ter estudo científico, acho que vale a pena sem dúvida nenhuma. Não tenho medo de falar isso. Não sou infectologista. Se você pega essa gama de medicações com paciente internado e encurta a alta dele e evitar que vá pra UTI, você está salvando vidas — disse o médico.
As orientações para uso da hidroxicloroquina e declarações sobre o assunto fizeram com que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alfinetasse o governador de São Paulo, João Doria, e o coordenador do comitê de controle do coronavírus do Estado, David Uip. Uip, antes, havia dito que orientou o Ministério da Saúde sobre a distribuição de cloroquina na rede pública para pacientes internados.
— Hoje esse medicamento não tem paternidade, governador não precisa politizar esse assunto, esse assunto já esta devidamente colocado — afirmou Mandetta, que tem defendido mais estudos quanto a possível efetividade da droga e seu uso somente para casos graves e críticos, como recomenda o protocolo do ministério.
Enquanto isso, Bolsonaro, sem citar dados de pesquisas, defende o tratamento precoce com a droga.
— Agora tem uma outra coisa esse tratamento começou aqui no Brasil que tem que ser feito, com quem a gente tem conversado, até o quarto ou dia útil (sic) dos sintomas. Passando disso, como a evolução é muito rápida e ele ataca basicamente o pulmão, quando entrar no estado grave ou no estado gravíssimo, a possibilidade de você se curar é mínima, é quase zero — disse.
Já Mandetta afirma que não faz sentido prescrever a droga para pacientes com sintomas iniciais, considerando que a pessoa pode estar contaminada com outros vírus respiratórios que circulam no país, como o H1N1.
— Entrar com um medicamento sem saber que vírus é já teria uma primeira complicação — disse, reforçando "não ser inteligente" receitar medicação para pessoas que não precisam dela.