Gaúchos que olharam atentamente ao relatório do Ministério da Saúde de quinta-feira (9) perceberam que a chamada “Região dos Pampas” ocupa a 10ª colocada no ranking nacional da incidência da covid-19 proporcional ao número de habitantes. Quem eleva a média da região é principalmente Bagé, que tem 27 casos para 121,1 mil habitantes. A título de comparação, Porto Alegre, com 303 casos confirmados nesta sexta-feira, teria 20,4 casos a cada 100 mil habitantes.
O município, todavia, parece ter mais lições a ensinar do que a aprender no combate à pandemia do coronavírus, sobretudo na importância decisiva do distanciamento social como medida de saúde pública.
O alto número de contágio que ainda aparece no gráfico dos municípios se deu, segundo as autoridades locais, pela peculiaridade dos primeiros casos, constatados em 18 de março. Vindos do Rio de Janeiro e de Porto Alegre sem saber que estavam infectados, dois médicos da Santa Casa de Caridade entraram em contato com centenas de pessoas, entre eles, dezenas de funcionários da saúde.
— Nosso medo era que Bagé se tornasse mais "contagiante" do que "contagiada". Se esses casos proliferassem nos municípios da região, seria uma tragédia, pois eles voltariam para a gente, já que somos referência para o atendimento — conta o prefeito Divaldo Lara.
A cidade começou uma rigorosa quarentena em 19 de março, que ainda vigora. Mapeando os contatos dos dois médicos, 200 pessoas foram colocadas em isolamento domiciliar. Ainda hoje, com auxílio do Exército, veículos são desinfectados ao entrar e sair do município em barreiras sanitárias. O transporte público passa pelo mesmo processo a cada final de linha. Quem pode, levou os idosos para isolamento nas longínquas propriedades rurais do município.
Passado quase um mês do isolamento, o coordenador regional de Saúde Ricardo Necchi comemora que os 80 profissionais de saúde afastados começam a retornar para reforçar o atendimento.
— Desses 27 casos, apenas dois não estão nessa linha de contágio que começa com os dois primeiros. E não houve nenhum caso fatal. Isso nos deu um certo fôlego para reforçar a estrutura de saúde para enfrentar a epidemia — declara Necchi.
Até então com 16 leitos de UTI, Bagé conta agora com 25, nesta semana completados com quatro respiradores que faltavam. Divididos entre os dois hospitais da cidade e um terceiro de campanha — montado no ginásio do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp) com doações da iniciativa privada e do Exército —, Bagé terá 127 leitos de internação. Dom Pedrito, município vizinho, também terá 10 leitos de UTI exclusivos para a covid-19. Os números tranquilizam secretário da Saúde, Mario Mena Kalil, mas ele enfatiza a importância do isolamento, pregressa e futura.
— Um estudo da Unipampa (Universidade Federal do Pampa) calculou como seria o contágio sem isolamento algum: entre os dias 8 e 10 de maio atingiríamos 6 mil casos. Se 5% dos casos se agravassem, isso significaria mais de 300 respiradores ocupados, um colapso completo — exemplifica.
Com a quarentena se ampliando por mais 10 dias, por exemplo, o auge da pandemia ocorreria por volta de 10 de junho, com 2 mil infectados. Significaria 100 casos graves em um período mais longo de tempo. Algo desafiador, mas possível de atender.
— Quem não percebe a importância disso é porque não entendeu ainda a gravidade da pandemia — opina o secretário, que se diz "arrepiado" com cenas como a dos vagões da Trensurb cheios na Região Metropolitana, ou do Mercado Público de Porto Alegre cheio para compras de Páscoa.
Em Bagé, o prefeito pede, além de investimento nos hospitais, mais recursos do Estado para equipamentos de proteção para os médicos da saúde básica e mais mantimentos. Segundo o prefeito, até aqui Bagé recebeu apenas seis caixas de luvas, três de máscaras e 123 cestas básicas — seriam necessárias 6 mil.
Uma oferta em particular do governo do Estado deixou o prefeito especialmente ofendido: um contêiner frigorífico, para eventuais fatalidades da covid-19.
— Foi quando eu "virei os arreios". Estamos com dois decretos em vigor, pela pandemia e pela estiagem, e ainda assim não temos nenhum óbito. Quero ajuda do governo do Estado para tratar os bageenses, não para enterrá-los — diz Lara.