Faz um mês que está tudo pronto para a Nahara Attolini de Avila comemorar o primeiro aninho da filha Olívia. O vestido e o sapatinho rosa da pequena estão comprados, só aguardando a festa inicialmente planejada para este sábado (21). Tudo foi pensado para receber confortavelmente os convidados que confirmaram presença em um espaço de festas em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
Nos últimos dias, porém, a pandemia de coronavírus ganhou corpo e contamina cada vez mais gaúchos, situação que levou Nahara a se perguntar se seria prudente manter a festa. Consultou um pediatra nesta terça-feira (17) e ouviu uma resposta taxativa: “A decisão é tua, claro, mas, por mim, é sem evento”. Diante da manifestação do especialista, não houve mais dúvida. A festa de aniversário foi postergada para data ainda incerta.
— Fiquei com dois corações. Estava tudo organizado tão bonitinho. Convites, bolos, fotógrafo, espaço, vestido, sapatinho. Não sei quando vamos fazer e nem sei se a roupa vai servir nela depois, ainda mais nessa idade, em que tudo muda tão rápido — pontua a vendedora de 34 anos.
Passada a frustração inicial, Nahara se enxerga agora com a tranquilidade de quem fez a opção correta. Seriam 90 pessoas, entre elas idosos, confinados por horas a fio.
— Precisamos ser racionais neste momento. Eu mesma, asmática, estou no grupo de risco. E é só um evento. Ninguém aqui tem o vírus, graças a Deus. Estamos todos bem. Agora, é esperar toda essa situação se acalmar para saber quando fazer — reconforta-se.
À medida em que foi avisando os convidados sobre a mudança de planos, só ouviu palavras de apoio:
— Acho que todo mundo esperava. O próprio pessoal que faria os bolos, o fotógrafo, o salão, a responsável pelo espaço... Todos estavam pensando da mesma forma e entenderam a situação. Não cobraram nada de mim — comenta.
Casamento na Serra fica para depois
Algo semelhante aconteceu com Maria Luisa Castilhos e Ricardo Grizante, noivos que casariam em 2 de maio na cidade serrana de Bento Gonçalves. Entre os convidados estão amigos e familiares de São Paulo e Rio de Janeiro, Estados mais afetados pela covid-19. Todos começaram a ser comunicados do adiamento nesta terça-feira, depois de muita conversa entre o casal. A cerimônia ainda não tem nova data, pois é preciso conciliar a agenda futura de inúmeros profissionais, entre eles fotógrafos, decoradores e maquiadores que possivelmente também estão adiando a prestação dos seus serviços para o segundo semestre.
— Vai ficar para outubro ou novembro. Estamos nessa função de ver o melhor dia — conta Malu, que há três anos deixou o Rio Grande do Sul para morar no Rio de Janeiro, mas não abriu mão de casar em solo gaúcho, onde ainda moram a mãe e as irmãs.
Fazia mais de um ano que o casamento estava marcado. No próximo mês, ela viria a Porto Alegre degustar os doces e o bufê e aproveitaria para fazer o chá de lingerie. Tudo ficou para mais tarde. Hospedagens e passagens aéreas dos convidados também estão sendo remarcadas, tudo sem custo.
— Além de pensar no bem-estar dos nossos convidados, entendemos que estaríamos na direção contrária ao que o mundo todo está fazendo se mantivéssemos. Seria muita irresponsabilidade e hipocrisia comemorar nossa união enquanto o planeta está desse jeito. Perderia todo o sentido e ainda colocaríamos pessoas em risco. Claro, eu oscilo os momentos de sensatez, como este, com os de tristeza e até de choro, afinal, é um sonho que está sendo adiado — observa.
Corrida para desmarcar eventos
A produtora de eventos Maria Eduarda Santos, de Porto Alegre, organizadora do casamento de Malu e Ricardo, corre para dar conta de desmarcar os eventos programados para os próximos dias e para encontrar datas compatíveis entre contratantes, fornecedores e prestadores de serviço no segundo semestre. Ela acredita que, pelo menos até maio, o setor irá ficar desaquecido, captando poucos trabalhos.
— Não estamos tendo cancelamentos por enquanto, apenas adiamento sem data definida. É tudo muito recente. As feridas ainda estão abertas. As pessoas estão assimilando o que aconteceu para depois se reprogramar — comenta.
A dica que dá àqueles que adiaram o casamento ou outras comemorações é que tentem remarcar o quanto antes. Ela prevê que os profissionais que atuam nesse tipo de cerimônia ficarão sobrecarregados a partir de junho. Por se tratar de um problema de saúde pública, os profissionais não têm cobrado pelo adiamento.
— O que eu e toda a cadeia de eventos temos feito é deixado o crédito em aberto de quem já pagou para ser utilizado mais adiante. Esperamos que tudo isso passe e possamos retomar as atividades normais o mais breve. Mas, claro, não tem como esconder que dá uma aflição — reconhece.
A orientação do Procon é de que não haja cobrança de taxa para adiamento ou cancelamento por estar posta uma situação que coloca em risco a saúde, a segurança e a vida da população. Nestes casos, os clientes são protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor e pela própria Constituição.
— Vivemos uma pandemia com números alarmantes. Orientamos quem se sentir lesado a procurar o Procon do seu município ou o do Estado — explica Felipe Martini, diretor-executico do Procon/RS.
Falta de clima
A também produtora Maria da Graça Pires Minuzzi, conhecida no ramo de eventos como Xuxa Pires, orientou seus clientes a transferirem nove eventos que aconteceriam em março e abril para agosto, setembro e outubro. Apesar de saber que tomou a decisão certa, lamenta o prejuízo que terá no futuro:
— Trabalho com um evento por dia. Então, ficarei sem faturar. Mas eu sempre digo que, antes de ser um bom profissional, precisamos ser boas pessoas. Não teria clima neste momento para essas comemorações — avalia.
Um dos eventos que ela remarcou foi o casamento da psicóloga Ilana Fermann, 32 anos, com o contador Felipe Bressani, 31 anos. Em vez de ocorrer em 28 de março, ficou para 1º de agosto no mesmo local, o espaço de eventos Alto da Capela, em Porto Alegre, e com os mesmos fornecedores. Os noivos bateram o martelo nesta terça-feira, vendo que não teria clima para comunhão.
— Estou me sentindo realmente bem. Não teria uma festa animada se as pessoas não fossem ou se estivessem preocupadas. Mas, para que me sentisse assim, fiquei ansiosa, triste, brava entrei em luto pela data e me frustrei — lamenta Ilana.
Orientação é remarcar
Professor de epidemiologia da UFRGS e coordenador da Gerência de Risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Ricardo Kuchenbecker estima, baseado na amostragem de outros países, que o período crítico no RS deve se estender até junho ou julho e que, portanto, segundo essa previsão, considera prudente a remarcação de eventos para outubro e novembro, como fez o casal Malu e Ricardo.
— Não estamos, obviamente, tratando de um modelo matemático. É preciso ver se a curva epidêmica do Estado vai seguir a do Brasil ou até mesmo a de outros países. Estamos em uma fase muito inicial para fazer análise precisa, mas é provável que até lá tenhamos superado este período de restrição social — disse.
É a mesma projeção feita pelo médico infectologista Luciano Goldani:
— A gente ainda não sabe como a pandemia vai se comportar aqui, mas eu ficaria receoso em marcar algo para os próximos três ou quatro meses — opina.
Uma alternativa ventilada entre a população é levar essas comemorações para ambientes abertos, possibilidade totalmente descartada pelo infectologista Paulo Ernesto Gewehr, membro da Câmara Técnica de Infectologia do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers):
— Não vale o risco. O problema é a aglomeração de pessoas, seja em ambiente aberto ou fechado — resume.
Kuchenbecker acrescenta:
— Essas pessoas que estão comemorando algo ao ar livre vão conseguir manter a distância mínima recomendada umas das outras? Elas vão ficar sem se tocar, abraçar ou beijar em uma festa? Mesmo que sejam poucas pessoas, inevitavelmente haverá o toque por essa ser uma das formas como a gente se expressa. Então, a recomendação é evitar — conclui.