A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) se posicionou, na tarde desta terça-feira (28), contra a estratégia da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, de incentivar a abstinência sexual como método para prevenir a gravidez na adolescência. A entidade afirma que estudos científicos no Brasil e no Exterior comprovam que a única estratégia eficaz é oferecer acesso a serviços de saúde e educar sexualmente jovens – o que envolve oferecer informação sobre corpo, métodos contraceptivos, igualdade de gênero e respeito à orientação sexual.
O comunicado é importante porque a SBP é a maior entidade de pediatria do Brasil, responsável por recomendar nacionalmente as práticas mais avançadas em medicina do adolescente – faixa etária que representa 23% dos brasileiros. Também nesta terça-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que a recomendação para adolescentes adiarem o início das relações sexuais não é eficaz e não pode ser a única política contra o problema.
"Embora teoricamente protetoras, as intenções de abstinência geralmente falham, pois a mesma não é mantida e estes programas não são eficazes para retardar o início das relações sexuais ou alterar comportamentos de risco", diz o texto da Sociedade de Pediatria.
A SBP afirma que, nos Estados Unidos, estudos científicos a respeito da eficácia de programas como o que está sendo proposto pela ministra Damares demonstram que "estratégias combinadas são mais efetivas do que aquelas isoladas". A entidade detalha que, em território norte-americano, "esses programas não instruem as adolescentes quanto ao uso de preservativos ou contraceptivos, sendo, portanto, considerados uma violação aos direitos humanos".
Para a entidade, evitar a gravidez na adolescência e combater os índices de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) exige, do governo, investir em programas que expliquem os diferentes métodos anticoncepcionais e que ofereçam educação sexual integrada.
O governo de Jair Bolsonaro afirma ter estudos científicos comprovando os benefícios da prática – em resposta a pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI) de GaúchaZH, o ministério de Damares enviou texto com referência a três estudos feitos no Chile. Especialistas da área da saúde, no entanto, afirmam que essas pesquisas são pequenas e de baixa qualidade. Destacam que meta-análises – ou seja, estudos que checam os resultados de outras dezenas de estudos – comprovam que incentivar jovens a adiar o primeiro sexo não traz, na prática, bons resultados para evitar a gravidez na adolescência e as ISTs.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Esporte (Unesco) elaborou um guia para orientar médicos e professores do mundo inteiro sobre como tratar da educação sexual em escolas. Dentre os conteúdos que devem ser ensinados, estão fisiologia e anatomia sexual, puberdade e menstruação, saúde reprodutiva, métodos contraceptivos, ISTs, diversidade sexual, violência de gênero, amor, orientação sexual e igualdade de gênero. Análises estatísticas mostram que países que implementaram educação sexual têm melhores índices de gravidez precoce.
— Há grandes estudos mostrando que a educação sexual, em comparação com a abstinência, causa iniciação sexual mais tardia, menos parceiros e maior uso de preservativos. O PEPFAR, um fundo constituído pelos Estados Unidos durante o governo Bush para investir no combate ao HIV na África, descartou a abstinência sexual porque não havia impacto relevante na redução de casos de HIV. A abstinência e o uso da camisinha não são políticas conciliáveis — afirma diz o médico infectologista Ronaldo Hallal, que entre 2011 e 2013 foi coordenador-geral de Cuidado e Qualidade de Vida do Departamento de IST/Aids do Ministério da Saúde.