Uma tartaruguinha andava desavisada pela chuva até que tropeçou em uma pedra, caiu e quebrou o casco. A partir daí, encontra na floresta outros animais dispostos a ajudá-la com uma nova proteção para as costas.
Esta é a premissa da peça de teatro A tartaruguinha que perdeu o casco, encenada na tarde desta segunda-feira (2) no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. O espetáculo, gratuito ao público, graças ao financiamento da Lei de Incentivo à Cultura, ensinou de um jeito simples e divertido o que é a doação de órgãos a cerca de 500 crianças de baixa renda. Destas, algumas, também, tartaruguinhas — à espera de um transplante de órgão.
A peça é inspirada no livro de mesmo nome, escrito por André Saut e Diogo Saut. Na adaptação para os palcos, um casal de adultos (humanos, vale ressaltar) convida dois amigos para jantar com um objetivo: compartilhar o livro infantil que a protagonista, Érica, está escrevendo. A partir daí, os quatro bolam, juntos, a história da jornada da tartaruga. A encenação alterna entre momentos em que os atores são humanos, no apartamento do casal, com cenas nas quais cada um representa um animal da floresta.
Cada personagem que entra em cena busca, à sua maneira, salvar a tartaruga: o tucano oferece uma seiva de árvores para colar o casco, mas o material pesava demais as costas da nova amiga; o ouriço oferece espinhos, que não permitem à tartaruguinha brincar; três porquinhos constroem cascos artesanais, mas todos são incompatíveis com as necessidades da tartaruga. Em meio aos obstáculos, as crianças riam, batiam palmas e cantavam.
Emocionada com a peça, Luana Severo, 31 anos, viu, sob os holofotes no palco, um pouco da história do filho Pedro Rafael, de nove anos. A bronquiolite obliterante, doença que impõe ao garoto o uso de aparelhos para respirar e a locomoção por cadeira de rodas, também o colocou desde fevereiro na lista de espera para receber dois novos pulmões. Na apresentação, ao ver a personagem Érica confessar aos amigos por que ela era a tartaruga da história, Pedro Rafael questionou:
— Mãe, ela também vai fazer transplante?
— Não, ela já fez, meu filho. Que nem você vai ter que fazer.
Para Luana, iniciativas como a da peça — apresentação gratuita ao público — fazem a diferença na sensibilização das pessoas. Em específico, a mãe destaca a luta de crianças na fila de espera: por serem pequenas, precisam, também, de um doador da mesma faixa etária. Em meio ao trauma dos pais de perder o filho, a decisão de permitir a doação de órgãos é uma rara atitude.
— Não sabemos se, no momento de maior dor, alguém será capaz de um gesto de tão grande amor: fazer o filho seguir vivendo no corpo de outra criança. Dizer "sim" na hora mais importante para salvar a vida de outras pessoas é a coisa mais linda que se pode fazer. Todo mundo pode precisar de um órgão um dia, precisamos falar mais sobre isso — diz Luana.
A peça foi encenada pela Cia de Artes Cênicas Armazém, com parceria da produtora cultural D.Marin e da organização não governamental (ONG) ViaVida, dedicada ao apoio e à conscientização para a doação de órgãos responsável. André Saut, um dos autores do livro que inspirou o espetáculo, chegou a chorar ao ver a empolgação das crianças na peça teatral, uma reação "sem preço".
— Temos que sensibilizar a criança. Sabemos que elas chegam em casa e comentam com os pais. Esse é o objetivo: tornar a doação comum. Cada pessoa pode salvar oito vida — afirmou.
Ao fim da peça, a tartaruguinha encontra um pai e uma mãe tartarugas. O casal ouviu o pedido de ajuda e decidiu doar o casco da filhotinha que foi morar no céu. No último ato, a tartaruguinha se adapta ao novo casco e volta a brincar com os animais da floresta — um fim de alegria e esperança para quem, assim como a protagonista do espetáculo, conta com a ajuda de outros animais da floresta.
Como fazer a doação de órgãos?
A doação ocorre em casos de morte encefálica — isto é, quando não há mais atividade cerebral e o retorno é irreversível. Neste caso, o coração bate artificialmente e os órgãos seguem "vivos" graças a aparelhos, o que possibilita o transplante.
Por lei, é obrigatório a família autorizar por escrito, ao preencher um documento fornecido pelo hospital. Não é possível doar sem a autorização dos familiares, mesmo que você deixe o pedido por escrito. Por isso, é essencial comunicar à família o desejo de ser doador.
É possível salvar várias vidas: uma só pessoa pode doar coração, pulmões, rins, fígado, pele, córneas, ossos, entre outros. A doação não irá desfigurar o corpo do paciente.