Atendendo a um pedido de Gugu Liberato, que morreu na semana passada em um hospital da Flórida, nos Estados Unidos, a família dele autorizou a doação de todos os órgãos do apresentador. Segundo os médicos norte-americanos, o ato poderia beneficiar até 50 pessoas receptoras de órgãos, tecidos e ossos.
O país norte-americano está bastante à frente do Brasil no quesito em números: é o quinto do mundo com a maior taxa de transplantes de doadores mortos (à frente de Espanha, Portugal, Bélgica e Croácia).
Em 2017, segundo dados do Registro Internacional de Transplantes e Doações de Órgãos, os Estados Unidos tiveram número de doadores efetivos de 32 por milhão de pessoas (pmp). A taxa brasileira no mesmo período foi de 16,6 pmp — o país ocupa o 23º lugar no ranking de transplantes.
— Comparar os Estados Unidos com o Brasil é um massacre. Eles investem muito mais. Os Estados brasileiros mais desenvolvidos, como São Paulo, têm mais transplantes porque a população é maior, claro, mas também porque há mais hospitais e maior acesso a tratamentos complexos — diz Paulo Rêgo Fernandes, presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO).
José Medina, diretor do Hospital do Rim e membro do conselho da ABTO, também aponta que as diferenças nas taxas entre os Estados brasileiros é um dos motivos pelos quais o país não realiza tantos transplantes quanto poderia.
Os dados mais recentes mostram que, enquanto Santa Catarina teve em 2017 a taxa mais alta do país, de 40,8 pmp, Amapá, Roraima e Tocantins nem sequer tiveram doadores registrados.
— O Estado de Santa Catarina, além de homogêneo do ponto de vista social, tem uma central de transplantes com equipes comprometidas e que conseguem acolher bem as famílias que doam — diz Fernandes.
Paraná e Rio Grande do Sul também integram o pódio da lista dos maiores doadores, com 38 e 26,1 pmp, respectivamente. Ceará (23,3) e São Paulo (22,7) vêm na sequência.
Cada Estado brasileiro tem pelo menos um centro de transplantes, ou seja, um hospital que pode receber órgãos e transplantá-los, mas isso não quer dizer que todos os centros tenham capacidade de fazer todos os tipos de transplantes.
A falta de equipes preparadas para preservar os corpos e órgãos, bem como para realizar procedimentos complexos, é uma das dificuldades brasileiras. Já nos Estados Unidos, o investimento em saúde per capita é 11 vezes maior do que o Brasil, que investiu em 2016 cerca de R$ 3,3 mil por pessoa, segundo dado mais recente da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Ainda de acordo com a organização, os Estados Unidos gastaram 17% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com saúde naquele ano. No mesmo período, o Brasil investiu 9,2% do PIB.
A principal diferença entre os sistemas brasileiro e americano, diz Medina, é que no Brasil todo o procedimento, da captação do órgão ao transplante, quase sempre é feito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
— É interessante como nós conseguimos fazer tanto com tão pouco investimento. Nos Estados Unidos, quem não tiver dinheiro não entra nem na fila de espera — afirma Fernandes.
No caso de Gugu, também chamou atenção o alto número de pessoas beneficiadas pela doação. Já no Brasil, segundo Fernandes, a demanda por transplante de ossos e tecidos é bem menor do que nos Estados Unidos. O diretor do Hospital do Rim afirma que é mais comum que tecidos e ossos sejam captados quando há falta nos bancos de armazenamento ou necessidade imediata.