Pressionadas pela debandada de 3 milhões de clientes em apenas quatro anos, as operadoras de planos de saúde apresentaram nesta quinta-feira (24), em Brasília, sua proposta para voltar a atrair clientes.
O plano, batizado de Mais Saúde, tem como um de seus eixos centrais retomar a venda de planos individuais, mas sob novas regras. As operadoras querem vender planos mais segmentados, com coberturas limitadas, e desejam reajustar as mensalidades de acordo com o aumento dos custos médicos. Para isso, a legislação vigente, a lei 9.656, de 1998, teria de mudar.
O posicionamento foi apresentado durante o 5º Fórum da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), entidade que abrange 36% dos segurados no país. Realizado pela primeira vez na capital federal, pela proximidade com as esferas decisórias, o evento contou com a participação do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e vários parlamentares.
— O assunto está na pauta do Congresso, e estamos lançando essas ideias como apoio à discussão — afirmou o presidente da Fenasaúde, João Alceu Amoroso Lima.
O número de beneficiários de planos de saúde está em queda desde de 2014, quando era de 50,2 milhões. No ano passado, chegou a 47,2 milhões. O declínio é atribuído à crise econômica e ao aumento do desemprego. Ao mesmo tempo, o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) ficou engessado pela crise fiscal e pelo estabelecimento do teto de gastos.
Pesquisas apontam que ter um plano de saúde é o terceiro item de desejo do brasileiro, atrás apenas da casa própria e de educação. A Fenasaúde acredita que há espaço para atender a esse desejo e recuperar clientes, mas em novos moldes. Vera Valente, diretora-executiva da entidade, afirma que as operadoras deixaram de vender planos individuais porque os reajustes autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não acompanham a evolução dos custos. Segundo ela, os custos aumentaram 189% nos últimos 10 anos, enquanto os reajustes concedidos pela ANS ficaram em 155%.
— A regra da ANS inviabiliza o plano individual. Ninguém vai vender algo que tenha reajuste inferior à variação dos custos. Por isso os operadores não estão oferecendo. As pessoas querem plano de saúde, mas migram para o SUS,que já está sobrecarregado — disse Vera.
Aumento da mensalidade
A solução, para a Fenasaúde, é que as mensalidades subam de acordo com essa variação, cabendo à ANS o papel de auditoria. A entidade propõe ainda a portabilidade dos planos e o escalonamento de aumentos por mais faixas etárias — atualmente, a lei não permite o aumento a partir dos 60 anos, o que leva a um reajuste pesado aos 59, quando muitos clientes deixam o sistema por não poder mais pagar.
As operadoras também querem poder vender planos com novas segmentações, mais numerosas do que as permitidas atualmente. Nesse caso, o cliente poderia ter um plano só de consultas, só de exames, só para terapias ou apenas hospitalar. Se precisasse de algo sem cobertura, teria de recorrer ao SUS. Conseguiria fazer um plano caber em seu bolso e engrossaria a carteira de clientes das operadores, mas em troca de menos serviços.
Outra intenção das empresas é fazer avançarem formas diferentes de remuneração por parte do segurado, como o pagamento de coparticipações e de franquias para usar os serviços — uma das ideias levantadas é cobrar uma mensalidade baixa, mas uma franquia elevada.
Nas últimas semanas, veículos de comunicação publicaram informações sobre um suposto projeto de lei elaborado pela Fenasaúde, que estaria no Congresso e que mudaria o regramento do setor, beneficiando operadoras e trazendo prejuízos para usuários e SUS. Durante o fórum desta quinta-feira, Amoroso Lima disse que esse documento não existe e que a atuação da entidade é feita com transparência.
— Houve na mídia notícias sobre um documento secreto entre aos parlamentares e sobre toda uma negociação de bastidores, disseram que íamos dar um golpe. Isso é fake news. Não existe nenhum documento secreto, nenhuma armação. Se alguém tem dúvidas de que há tramoias ou documento por baixo dos panos, deletem. Não estamos falando em plano para cobrir cardiologia e não oncologia. Isso é balela. Muita gente não compra um plano ambulatorial porque é muito caro. Estamos sugerindo dividir um pouco esses módulos, para que a pessoa possa comprar planos que cubram só exames, ou só consultas, por exemplo.
A programação do Fórum anunciava que o ministro Mandetta daria uma palestra magna, entre 10h e 11h, mas ele falou por poucos minutos. Lembrou que foi presidente de operadora de saúde, disse ser importante que as empresas tenham um equilíbrio econômico-financeiro e mostrou simpatia por mudanças na legislação.
— Para o SUS, é importante a existência de um sistema de saúde complementar. Queremos que ele se expanda. Primeiro, trabalhando na esfera infralegal. Depois, na legal, e aí temos os nossos deputados. Acho a lei atual extremamente engessante e restritiva. A gente precisa ter olhares mais personalizados. Saímos de um mercado totalmente não regulamentado para outro que tenta regular até a cor da cadeira em que a pessoa vai sentar — disse o ministro.
Beneficiários de planos de saúde
- 2008: 40,7 milhões
- 2009: 42 milhões
- 2010: 44,1 milhões
- 2011: 45,7 milhões
- 2012: 47,1 milhões
- 2013: 48,7 milhões
- 2014: 50,2 milhões
- 2015: 49,8 milhões
- 2016: 48,1 milhões
- 2017: 47,3 milhões
- 2018: 47,2 milhões
Despesas assistenciais (em bilhões de reais)
- 2008: 47,6
- 2009: 53,5
- 2010: 58,9
- 2011: 67,9
- 2012: 79
- 2013: 89,8
- 2014: 105,2
- 2015: 118,7
- 2016: 135,6
- 2017: 149,1
- 2018: 159,8
Despesa por beneficiário (em reais)
- 2008: 1.170
- 2009: 1.274
- 2010: 1.337
- 2011: 1.483
- 2012: 1.675
- 2013: 1.842
- 2014: 2.099
- 2015: 2.382
- 2016: 2.818
- 2017: 3.153
- 2018: 3.384
O que defendem as operadoras
- Volta dos planos individuais.
- Reajustes definidos a partir da variação dos custos assistenciais, com auditoria e análise da ANS.
- Existência de portabilidade dos planos.
- Escalonamento do aumento do valor dos planos por mais faixas etárias.
- Novas opções de segmentação dos planos (por exemplo, só exames ou só consultas), para atender diferentes necessidades e capacidades de pagamento.
- Mecanismos para conter custos, como pagamento de coparticipação ou franquia pelo beneficiário que usar os serviços contratados.
- Coibir uso desnecessário ou excessivo dos serviços.
- Mais rigor na incorporação de novas tecnologias, levando em conta impacto orçamentário e critérios de custo-efetividade, com base em evidências científicas.
* O repórter viajou para Brasília a convite do evento.