BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em nova tentativa de ganhar espaço no mercado após perderem usuários, operadoras de planos de saúde reforçam a pressão junto ao Executivo e ao Congresso em busca de flexibilizar as regras atuais do setor.
A tática é debater medidas que deem impulso sobretudo à contratação dos chamados planos individuais, não ligados a empresas, que escasseiam no mercado.
O Brasil soma 47,1 milhões de pessoas com planos de saúde, dos quais 9 milhões (19% do total) são individuais e familiares e os demais, coletivos (empresariais ou por adesão). Para reverter o quadro, operadoras atuam em duas frentes.
A primeira é pressionar Congresso e Executivo pela flexibilização das regras de reajuste de mensalidade dos planos individuais. Hoje, o percentual máximo de reajuste desses planos é fixado pela ANS, agência que regula o setor, sob justificativa de evitar abusos contra o consumidor.
Empresas, porém, alegam que o valor, nesses casos, tem ficado abaixo dos custos pagos pelas operadoras -daí a proposta de a variação ser regida pelo mercado caso a caso.
Em outra frente, o grupo propõe novos produtos e busca aval para ofertar planos segmentados ou "customizados" -versões reduzidas que seriam focadas em alguns serviços e tipos de atendimentos.
As regras atuais preveem uma lista mínima de serviços a cobrir, algo que as operadoras chamam de "entrave".
As propostas serão apresentadas nesta quinta (24) em evento da FenaSaúde, associação que representa as principais operadoras, e outras entidades do setor com a presença do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e do secretário especial da Previdência Rogério Marinho, ex-relator do tema no Congresso.
As ideias já geram polêmica.
Na terça (22), 25 entidades que representam associações médicas e de consumidores assinaram um manifesto que chama as propostas de "ataque aos consumidores, pacientes e médicos" e afirma que a mudança pode fazer com que o usuário do plano pague sem receber o atendimento completo de que necessita.
As operadoras, por sua vez, alegam que a revisão é necessária diante do envelhecimento da população e aumento de gastos com doenças crônicas e novas tecnologias.
Outro fator é a crise econômica, o que tem levado a uma migração de pessoas com planos de saúde para o SUS. Nos últimos três anos, o setor perdeu 3 milhões de usuários.
"Hoje, para ter acesso ao plano de saúde, tem que ter emprego formal. Mas não temos sinalização de medidas econômicas que tragam aumento expressivo de empregos", disse à Folha a presidente da FenaSaúde, Vera Valente.
"Qual o caminho? É corrigir o reajuste do plano individual e fazer planos que tenham maior segmentação."
Nesse caso, o usuário poderia optar por planos restritos a consultas e exames, sem atendimento em emergências, por exemplo. Ou, ainda, por planos com "módulos" voltados a terapias específicas e atendimentos hospitalares.
Em caso de procedimentos não cobertos, o usuário precisaria recorrer ao SUS. Para isso, a ideia é propor que o usuário entre diretamente na fila por atendimento na rede pública sem ter que repetir exames. A estrutura também poderia ser compartilhada.
Para Reinaldo Scheibe, da Abramge, associação que engloba algumas das principais operadoras, a medida segue pesquisas que apontam a busca recente da população por aplicativos, clínicas populares e planos mais baratos. "As regras mundiais dizem que 80% dos problemas podem ser resolvidos na atenção básica."
Especialistas, porém, levantam preocupações.
Para Marilena Lazzarini, do conselho do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a proposta contraria os interesses do consumidor.
"É uma tentativa de dividir o tratamento do cidadão com o SUS", diz ela, para quem a medida poderá sobrecarregar o sistema. Em outros casos, poderá criar uma espécie de "fila dupla", uma com usuáriso de plano e outra de quem depende exclusivamente do SUS.
Avaliação similar faz Mário Scheffer, da USP, para quem a oferta de planos segmentados contraria as evidências e pode prejudicar o usuário.
"São planos que deixam de fora os atendimentos mais caros, como se fosse possível para o usuário prever o que vai acontecer com a sua saúde", afirma ele, que contesta o argumento de que a mudança poderia desafogar o SUS.
"O mercado de planos de saúde dobrou nos últimos anos, e o SUS não se beneficiou com isso. Vão empurrar cada vez mais para o SUS crianças, idosos e casos de câncer, porque esses planos não vão atender essas necessidades."
As operadoras minimizam o problema. "Muitos dizem que não pode ter plano segmentado porque não há como saber o que vai acontecer na saúde das pessoas. Só que, na dúvida, muitas pessoas ficam hoje sem nada", afirma Scheibe.
As operadoras propõem ainda retomar a discussão da previsão de reajustes divididos por faixas etárias, e que hoje vedam aumento para usuários acima de 60 anos.
"Esse modelo onera todo mundo, inclusive as pessoas mais velhas", diz Valente, da FenaSaúde, para quem a medida desincentiva a oferta de planos individuais. Ela defende ainda regras mais duras para incorporar novas tecnologias na lista de procedimentos obrigatórios nos planos.
A articulação das operadoras ocorre no momento em que o Congresso discute recriar uma comissão especial para mudar as regras dos planos.
Ao mesmo tempo, o governo estuda reativar o Consu (Conselho Nacional de Saúde Suplementar), órgão formado por representantes de diferentes ministérios e que visa dar diretrizes ao setor. Após ficar cerca de 18 anos sem reuniões, o conselho se reuniu por uma vez no último ano.
O setor vê a ideia como sinal de interesse do governo em mudar as regras, enquanto especialistas apontam uma tentativa de interferência nas atribuições da ANS.
À Folha de S.Paulo, o ministro Mandetta refuta tal intenção e diz que a ideia é alterar regras infralegais que geram custos ao setor.
Ele confirma ter recebido sugestões das empresas, mas diz que ainda não analisou as propostas. Mandetta defende, porém, discussões sobre alguns pontos, como a oferta de planos segmentados.
Mandetta defende, porém, discussões sobre alguns pontos, como a oferta de planos segmentados e diz que o debate de eventuais mudanças deve ocorrer no Congresso.
Questionada, a ANS afirma que recebeu ofício de representantes de operadoras com propostas e, "embora reconheça que entidades possam promover debate setorial, esclarece que já vem discutindo medidas para o enfrentamento dos desafios do setor".
Entre os temas que estão na agenda do órgão até 2021 estão "garantia de acesso a população aos planos de saúde", mudança nos modelos de remuneração que garantam a sustentabilidade do setor e a revisão do rol de procedimentos mínimos obrigatórios a serem ofertados pelos planos.