A possibilidade de uma vacina contra o vírus HIV está mais próxima: até o fim de 2019, um estudo em oito países começará a testar uma vacina em seres humanos – e o Brasil fará parte dos testes. O anúncio foi feito nesta terça-feira (23), na Cidade do México, durante a 10ª Conferência da International AIDS Society sobre a Ciência do HIV (IAS 2019).
O estudo, chamado de Mosaico, testará a eficácia de uma vacina de quatro doses ao ano, uma a cada três meses. Com uso de engenharia genética, a vacina usa o adenovírus, parente do vírus da gripe, para estimular a resposta do sistema imunológico. A vacina contém pedacinhos do HIV, que não são capazes de deixar a pessoa com o vírus, mas, sim, de estimular as células de defesa a criar uma barreira contra o HIV no caso de um real contato com o vírus.
— Na fase anterior do estudo, com 300 pessoas, não houve reações adversas ruins, nem infecção. Agora é possível investigar com muito mais pessoas. Para brasileiros, será o primeiro estudo do tipo, o que é bom: se funcionar, o Brasil terá certeza de que a vacina funciona para a própria população, não precisará adaptar os resultados de uma pesquisa feita na África. A vacina, até agora, tem 70% de efetividade, o que é bastante a nível de saúde pública. Ao vacinar muitas pessoas, a efetividade para a população acaba sendo maior — diz Miguel Pedrola, diretor científico da Aids Healthcare Foundation para América Latina e Caribe.
Serão acompanhados 3,8 mil homens que fazem sexo com homens ou pessoas transexuais, entre 18 e 60 anos, da América do Sul, da América do Norte e da Europa. Cada um receberá quatro doses de um medicamento que promete proteger contra o HIV. Pelo mapa da apresentação de slides exposto no evento na Cidade do México, visualizado por GaúchaZH, o Rio Grande do Sul não fará parte do estudo - o foco será na região Sudeste do Brasil, com alguns pontos no Nordeste e no Norte.
— O objetivo principal é avaliar a eficácia da vacina para prevenir infecções por HIV em homens cis-gênero (homem que se identifica com o sexo de nascimento) e pessoas trans soronegativas que tiveram sexo — afirmou Sabrina Spinosa Guzman, da área de vacinas da farmacêutica Janssen, que fará parte da pesquisa.
Em ciência, há um longo caminho para que um medicamento comece a ser testado em milhares de pessoas, como será neste teste. Quando isso ocorre, a expectativa é alta entre a comunidade médica, porque a descoberta ao menos cruzou vários obstáculos (incluindo testes em animais) a ponto de, a princípio, não expor um indivíduo a grandes riscos.
Não é o primeiro estudo feito com humanos envolvendo uma possível vacina. Há, inclusive, três ocorrendo neste momento, com foco em países da África. O diferencial de Mosaico, além de ser o primeiro do tipo a acontecer na América Latina, é atuar em vários continentes, ao acompanhar os efeitos de uma imunização em quase 4 mil pessoas, em 81 lugares de oito países. Cada região do planeta tem um subtipo diferente de vírus.
A busca por uma vacina contra o HIV existe desde o surgimento da epidemia do vírus, há 35 anos. Hoje, 1,5 milhão de transmissões ocorrem a cada ano. Já está provado pela ciência que soropositivos que tomam corretamente antirretrovirais ficam com carga viral zerada – portanto, não transmitem o vírus. Casais em que uma pessoa tem HIV e outra não são inclusive autorizados por infectologistas a deixar a camisinha de lado se o parceiro soropositivo se medica corretamente e está com a carga viral zerada.
O nome do estudo é Mosaico porque a vacina usa um “mosaico” de antígenos (substâncias que estimulam a reação do sistema imunológico) ligados a diferentes subtipos de HIV.
— A esperança é de que este estudo terá um corte mais amplo, uma boa equipe de cientistas e uma rede de instituições para dar o respaldo, ainda que, até agora, a complexidade do HIV mostre que uma vacina seja difícil — afirma Leonardo Bastida, do Grupo de Estudos sobre Direitos, Gêneros e Diversidades, do México.
Ao todo, serão feitos testes em nove centros de estudo do Brasil. Também participarão centros de Estados Unidos, México, Argentina, Peru, Espanha, Itália e Polônia. As inscrições para participar do estudo devem começar em setembro. Será preciso preencher uma série de requisitos – incluindo relacionar-se com uma pessoa que vive com HIV, fazer sexo sem camisinha com frequência e já ter adquirido uma infecção sexual.
*O repórter viajou a convite da Aids Healthcare Foundation para receber o prêmio de Melhor Reportagem Investigativa em HIV e Aids na América Latina e Caribe, e cobrir a 10ª Conferência da International AIDS Society sobre a Ciência do HIV (IAS 2019)