Um estudo divulgado na última terça-feira (2) traz avanços significativos no que diz respeito ao combate contra o HIV. Publicada no periódico científico Nature Communications, a pesquisa conseguiu eliminar o vírus do DNA de animais usando dois métodos de tratamento. Para médicos e pesquisadores brasileiros, os resultados são um caminho importante para a cura.
Os resultados foram obtidos por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Temple, no estado da Pensilvânia, e do Centro Médico da Universidade de Nebraska, ambos nos EUA, após a utilização de dois métodos: uma medicação antirretroviral para suprimir o vírus, evitando sua multiplicação, e outro de edição genética, chamado de CRISPR/CAS9, que eliminou o HIV das células e órgãos.
— O HIV se fixa em determinadas células chamadas de reservatórios ou santuários que são locais que a terapia antirretroviral não consegue atingir — fala o coordenador do Ambulatório de HIV/Aids do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Eduardo Sprinz.
— O que eles fizeram? Testaram ratos humanizados (aqueles com células que se comportam como as nossas). Neles, se consegue estabelecer uma infecção crônica por HIV. Então, usaram os medicamentos (foram três antirretrovirais combinados) de forma modificada, em nanocristais, que formam pequenas partículas capazes de atingir as células do reservatório — completa Sprinz, que também é professor de infectologia na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dentre as vantagens desse método, diz o especialista, está a liberação contínua da droga nessas células, ao contrário das medicações antirretrovirais convencionais, que precisam ser administradas diariamente. Após esse procedimento, foi feita uma edição genética, na qual todas as células com o vírus foram eliminadas.
— Essa tecnologia consegue cortar pedacinhos de DNA que você programa para serem cortados. Você pode retirar um pedaço do DNA, reparar e juntar de novo. Na hora que tira o pedaço e repara, fica com vírus presente na célula, porém ele é defeituoso e não se multiplica — explica Ricardo Diaz, professor do Departamento de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM) e chefe do Laboratório de Retrovirologia da Escola Paulista de Medicina Unifesp.
Segundo Diaz, a grande dificuldade desse sistema de "tesourinha" é que existem diversas barreiras que atuam em nível celular impedindo a sua entrada:
— O mais difícil é chegar no núcleo, e eles conseguiram fazer isso com eficiência. É um grande avanço científico.
Testes em primatas não-humanos
Para obter os resultados, foram testados sete ratos humanizados. Em um terço dos animais que receberam os nanocristais, somados à edição de DNA, o vírus foi eliminado. O xis da questão, destaca Diaz, é que o HIV é um vírus mutante, ou seja, pode-se até criar uma edição específica para determinada sequência de DNA, no entanto, toda vez que o vírus mudar, ele não será mais "cortado".
— Quem está infectado produz e elimina 10 bilhões de vírus por dia. Por isso, o medicamento não funciona quando damos um remédio só. Todo dia ele tem uma mudança que deixa o medicamento ineficaz — justifica Diaz.
— De qualquer forma, é um avanço científico. Prova um conceito, mas não prova que isso seria factível em seres humanos — pondera o professor de São Paulo.
Sprinz acredita que esse seja mais um alento na busca pela cura do vírus.
— O estudo reforça a ideia de como o HIV possa ser curado. O próximo passo é testar em primatas não-humanos. Em tudo se confirmando, o próximo passo seriam os humanos — projeta o médico do Clínicas.
Kamel Khalili, um dos autores do estudo, afirmou, ao site da universidade, que a grande mensagem desse trabalho é que a administração da terapia antirretroviral combinada em nanopartículas, seguida pela técnica de edição genética (no caso, com CRISPR-Cas9), pode produzir a cura do HIV.