Imagine a cena: você vai com frequência a uma mesma agência bancária. Em dado dia, você é vítima de um assalto. Traumatizado, você associa o local a experiências desagradáveis. Agora, que tal seria se pudesse extinguir essas memórias?
De acordo com um estudo conduzido na Gerontologia Biomédica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a presença de uma pessoa familiar pode ajudar nesse processo.
Publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences of United States of America, o trabalho de mestrado de Clarissa Penha Farias, formada em Educação Física, sugere que, com aporte social, é possível criar novas associações sem sofrimento ou medo.
— Se você tiver condições de ir novamente ao banco no decorrer dos dias, vai associando que houve um assalto, mas aquilo não é assustador. Mas esse processo é lento. Agora, se você vai ao banco, é assaltado e no outro dia volta com alguém familiar, todos os sinais de ansiedade são amenizados — exemplifica Clarissa.
Ela explica que, ao contrário do que possa se pensar, a extinção de uma memória de medo não consiste em apagá-la, mas, sim, de associá-la a uma nova lembrança.
Cada vez mais, a gente se distancia das pessoas. Estamos muito nas redes sociais, mas não tem ninguém fisicamente. O trabalho lança o alerta para essa questão: precisamos ter mais contato com pessoas, não só virtualmente. Isso faz diferença
JOCIANE DE CARVALHO MYSKIW
Professora da Escola de Medicina da PUCRS e pesquisadora do Instituto do Cérebro
— Extinção é uma nova associação, uma nova memória que se sobrepõe à original. Essa memória de medo se mantém guardada em algum lugar — diz.
Na prática, a pesquisa mostrou que um aporte social pode ser benéfico quando utilizado junto à terapia de exposição, na qual o paciente é exposto àquilo que gera medo. Além de amenizar a memória de medo, essa nova associação depende de uma região do cérebro chamada de córtex pré-frontal, e não do hipocampo, como se acreditava.
— Gosto do trabalho porque ele é simples, no sentido da ideia, e tem novidade porque é a primeira vez que a gente fez um protocolo para estudar o suporte social, os mecanismos dessa memória em termos neurobiológicos — avalia a orientadora, Jociane de Carvalho Myskiw, professora da Escola de Medicina da PUCRS e pesquisadora do Instituto do Cérebro. — Cada vez mais, a gente se distancia das pessoas. Estamos muito nas redes sociais, mas não tem ninguém fisicamente. O trabalho lança o alerta para essa questão: precisamos ter mais contato com pessoas, não só virtualmente. Isso faz diferença — avalia a docente.
Como foi feita a pesquisa
Feita com ratos, a pesquisa foi dividida em três momentos: no primeiro, os animais foram expostos a um contexto no qual receberam estímulos elétricos. Depois, divididos em dois grupos, os animais foram colocados no mesmo ambiente. Um grupo teve aporte social de ratos que moram na mesma caixa e outros, não. Por fim, os pesquisadores usaram drogas para evidenciar as regiões do cérebro que eram acionadas.
— Vimos que animais que fizeram a extinção com suporte não evocaram a memória de medo — conclui a pesquisadora.