A divulgação de que uma segunda pessoa infectada pelo vírus da aids foi curada animou a comunidade científica e médica de Porto Alegre, capital brasileira com a maior taxa de detecção do HIV em 2017, conforme o Ministério da Saúde. De acordo com tratamento publicado pela revista Nature na terça-feira (5), um homem identificado como "Paciente Londres", infectado pelo HIV, recebeu em 2016 transplante de medula óssea para recuperar seu sistema imunológico após quimioterapia contra um linfoma (câncer do sistema linfático).
O doador era um indivíduo com células que dificultam a penetração do vírus em razão de uma mutação na proteína CCR5, a "fechadura" por onde o HIV invade o sistema imunológico — apenas um entre 100 europeus possui tal condição genética. Em 2017, o "Paciente Londres" deixou de tomar remédios contra o HIV, tornando-se o segundo indivíduo a permanecer livre do vírus por tanto tempo após cessar o tratamento.
O primeiro caso de cura — ou remissão do vírus, como preferem chamar alguns médicos — havia ocorrido 12 anos atrás, quando o "Paciente Berlim" deixou de apresentar a doença após ser submetido a procedimento semelhante.
— O resultado mostra que a estrada que se está construindo para chegar à cura da aids vai na direção certa — afirma Eduardo Sprinz, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre que está em Seattle, nos Estados Unidos, para conhecer detalhes do tratamento durante a Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI) nesta semana.
Apesar de ainda haver traços do HIV no código genético dos dois pacientes, eles deixaram de apresentar sintomas associados à aids, e não precisam mais tomar os medicamentos antirretrovirais. Na prática, o transplante de medula óssea "escondeu a fechadura" por onde o HIV invadia as células, eliminando a necessidade do uso de medicamentos para controlar a infecção.
— A questão é que este tratamento, da forma como foi realizado, é muito arriscado ao paciente (o risco de morte é de 10%, diz o médico) e também caríssimo. Talvez dentro de dez anos consigamos mostrar às células, de forma mais simples, como "esconder a fechadura" do vírus da aids — projeta Sprinz.
Outros estudos em desenvolvimento sobre a cura da aids
Em razão do risco elevado e da possibilidade de o procedimento não ter o mesmo êxito em outros pacientes — um infectado em Barcelona morreu após tentar o tratamento em 2014, e dois casos em Boston, nos Estados Unidos, também falharam, embora tenham usado técnicas diferentes —, o infectologista Paulo Ernesto Gewehr Filho, do serviço de imunizações do Hospital Moinhos de Vento, sugere cautela para analisar os resultados.
— O que se fez foi fornecer um novo sistema imunológico ao indivíduo, com células de defesa resistentes ao vírus, o que funcionou em alguns casos, mas é um procedimento que oferece riscos e pode trazer efeitos colaterais importantes durante a recuperação — reforça.
Ponto-chave do experimento, o uso da mutação da proteína CCR5 para impedir que o vírus se espalhasse já é feito por alguns antirretrovirais. Ou seja, a constatação de que "esconder a fechadura" pode ser um caminho para vencer a aids não é nova. Gewehr Filho avalia que outras frentes de pesquisa estão, neste momento, mais avançadas e poderão chegar antes ao uso da população. Um exemplo é o desenvolvimento de vários tipos de anticorpos sintéticos que são transformados em medicamentos ou vacinas.
— A boa notícia é que nunca se avançou tanto na pesquisa da cura da aids, principalmente com avanços na área da genética. São passos cruciais para vencer definitivamente a doença nos próximos anos — avalia Gewehr Filho.