Negligência é a palavra que Marcos Renato Cézar usa para explicar a sucessão de problemas de saúde que assolam sua filha Bianca Martins Cézar, que, mesmo viva, foi declarada morta ao nascer pela equipe médica que a atendia no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), na região central do Estado. Ele assegura que a gravidez de sua mulher foi tranquila e o único – e grave – contratempo ocorreu com falta de atendimento adequado no dia em que acabaria sendo feito o parto de emergência, 6 de fevereiro de 2017.
Conforme boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil por Cézar, uma enfermeira é que constatou o engano no óbito diagnosticado pelos médicos. Neste sábado (22), GaúchaZH teve acesso ao relato dela, feito para a direção do Husm. A profissional de saúde passava pelo descarte – uma sala próxima ao centro obstétrico e que recebe, entre outras coisas, corpos de pessoas que morrem – quando reparou na criança.
"O feto estava rosado, em gasping (respiração agônica, forçada). Pedi um estetoscópio e fui verificar a FC (frequência cardíaca), a qual estava em 100 batimentos! Chamei um médico, que alertou que já fora constatado óbito. Não me dei por vencida. Chamamos um pediatra que constatou que a bebê mantinha conduta bradicardia (batimento cardícado baixo) e estava corada. Contatei a UTI, solicitando avaliação com urgência. Ela foi examinada por um doutor, que constatou frequência cardíaca 84 e movimentos respiratórios compatíveis com gasping e a encaminhou para a UTI. A equipe da UTI questionou o horário do PC (Procedimento Cirúrgico) e a demora para encaminhamento. Respondi que a equipe agiu conforme diagnóstico descrito na folha da recepção".
A enfermeira se refere ao atestado de óbito, que falava em morte da menina.
Bianca sobreviveu, mas desenvolveu uma série de patologias neurológicas. Desde o fatídico 6 de fevereiro de 2017, ela vive num entra e sai de hospital. No momento, a menina está em um leito na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital da Criança Santo Antônio, em Porto Alegre, à espera de nova cirurgia – a décima internação desde que nasceu, em fevereiro do ano passado.
— Nossa vida virou de ponta cabeça — resume o pai da criança.
Cézar e a mulher ingressaram na Justiça com duas ações cíveis contra o Husm. Uma delas, mais urgente, busca garantir medicamentos e tratamento médico, além de fraldas para a criança. Isso tem sido providenciado pelo hospital. O outro processo pede reparação de danos morais e materiais pelas perdas do casal, ressalta a advogada que atua nas ações para o casal, Ania Kliemann.
Em paralelo, corre na Polícia Federal um inquérito criminal que apura possíveis negligências na equipe médica do Husm. Os responsáveis são investigados por causar lesão corporal grave. GaúchaZH não conseguiu contato e nem a lista de investigados e, por isso, ainda não publica seus nomes.
A direção do Husm se manifestou por nota, dias atrás, a respeito do episódio. O relato é de que a bebê teve parada cardiorrespiratória e tudo foi feito para reanimá-la. Foi constatado óbito, mas um novo exame, horas depois, mostrou sinais vitais. Desde então toda assistência tem sido prestada a ela, conclui o estabelecimento.