Problema que afeta cerca de 60 milhões de brasileiros e que cresce cada vez mais por causa do envelhecimento da população, a dor crônica passa a ser alvo de novas abordagens terapêuticas que fogem dos tratamentos convencionais feitos com medicamentos e reabilitação. Para o grupo de pacientes que não melhora com as terapias padrão, médicos e cientistas têm oferecido e estudado técnicas que incluem desde a estimulação elétrica do sistema nervoso para aliviar a dor até a aplicação de células-tronco do próprio paciente na região lesionada em busca de regeneração.
Nem todas as novas abordagens são regulamentadas no Brasil. Mesmo assim, a chamada Medicina Intervencionista em Dor já é tratada como subespecialidade médica no país, com mais de 300 membros na sociedade criada para este fim.
— Podemos dizer que temos dois grandes grupos de técnicas nessa área: a neuromodulação, que utiliza correntes elétricas ou bombas de infusão para bloquear a parte do sistema nervoso que sinaliza a dor; e a medicina regenerativa, na qual são usadas substâncias ou células do próprio paciente para provocar uma reação no tecido lesionado e, assim, sua consequente regeneração — explica Fabrício Dias Assis, médico do Singular Centro de Controle da Dor e membro da diretoria executiva do Instituto Mundial da Dor.
Na lista de alternativas, as técnicas de neuromodulação são as mais avançadas, com muitas delas já regulamentadas e praticadas no Brasil. Já as de medicina regenerativa ainda são, em sua maioria, consideradas experimentais pelo Conselho Federal de Medicina.
Na última semana, Assis presidiu o Congresso da Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionistas em Dor (Sobramid), realizado em Campinas e que teve como foco discutir justamente os avanços dos estudos em medicina regenerativa.
— O mecanismo de todas as terapias regenerativas é parecido: injetamos células-tronco mesenquimais (que dão origem aos ossos e às cartilagens) de algum tecido para estimular a produção de um novo tecido saudável — diz Assis.
Entre os compostos utilizados nessas terapias estão o plasma rico em plaquetas (PRP), que vem do sangue; o aspirado concentrado de medula óssea e células adiposas tiradas da própria gordura corporal. No geral, as técnicas são indicadas para pacientes com dor crônica provenientes de doenças degenerativas dos ossos e das articulações, como artrose.
Novas terapias ainda não são comuns
Médica especialista no tratamento da dor do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Roberta Risso destaca que essas terapias ainda não são usadas em larga escala porque, embora tenham demonstrado ótimos resultados em laboratório, aguardam estudos mais robustos em humanos.
— Esses tratamentos são muito promissores. No futuro, acreditamos que eles podem tratar uma artrose sem a necessidade de colocação de próteses, por exemplo, mas, por enquanto, os estudos não conseguiram fazer as células se regenerarem da forma necessária como observamos nos experimentos in vitro — afirma a especialista.
E para que essas terapias sejam aprovadas, seria necessária, além de mais estudos, uma regulamentação específica também para o processamento dessas células. Depois de retiradas, elas precisam passar por processos de centrifugação ou purificação antes de serem reinseridas no corpo, o que pede um rigoroso controle de qualidade e regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Neuromodulação
Enquanto a medicina regenerativa segue em estudos, as terapias de neuromodulação, já com mais evidências científicas, têm sido usadas como alternativa para pacientes que não respondem a analgésicos e fisioterapia.
— A neuromodulação inclui desde procedimentos como implantes de bombas de infusão de medicamentos ou de eletrodos até procedimentos cirúrgicos em que raízes de nervos são destruídas para anular a sensação de dor — explica o neurocirurgião Guilherme Lepski, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e da Universidade de Tubingen, na Alemanha.
Os especialistas explicam que, embora essas técnicas já tenham sido tema de vários estudos que comprovaram seus benefícios, a oferta delas ainda é restrita a clínicas privadas ou centros públicos de excelência por falta de capacitação.
— O problema é que tem de ser uma mão de obra especializada. Não é qualquer médico que faz esses procedimentos — diz Roberta.
— A ideia de um congresso brasileiro com esse tema é justamente trazer palestrantes internacionais e nacionais que tenham experiência no assunto para formar mais profissionais com esse olhar — destaca Assis.
Busca por técnicas alternativas
Foram dois anos procurando médicos e todo tipo de profissional que tivesse alguma técnica nova para o seu problema. A dor na coluna, que havia começado apenas com um incômodo, começava a tirar a autonomia do engenheiro químico aposentado Hermelindo de Oliveira, de 79 anos.
— No começo, eu só sentia um desconforto quando ficava muito tempo em pé. Depois de alguns meses, eu já estava com dificuldades para levantar da cama sozinho, não conseguia mais dirigir — conta Oliveira.
Os remédios analgésicos e as sessões de fisioterapia aliviavam o quadro, mas não traziam uma melhora significativa.
— Fui a ortopedista, fisiatra, fisioterapeuta, acupunturista. Fui numa porção de gente. Peguei uma pasta e fui colecionando os papéis de todos os profissionais. Depois de dois anos, já eram 17, e eu ainda estava com dor — relata.
Oliveira, que morava em um sobrado, teve de mudar de casa por causa das dificuldades que tinha para subir escadas. Foi então que o idoso decidiu buscar um médico intervencionista em dor e tentar terapias de neuromodulação e medicina regenerativa para tratar a dor na coluna. Ele passou por uma técnica que utiliza a radiofrequência para destruir parte do nervo que traz a sensação de dor.
Além disso, foi submetido a uma proloterapia — técnica na qual é aplicada uma solução de glicose na região lesionada, causando irritação na área, o que leva o próprio corpo a responder ao processo inflamatório, regenerando, assim, o tecido.
— Tive um período de recuperação depois desses procedimentos e agora não tenho mais dor. Faço minhas coisas, pinto meus quadros. Agora, finalmente fiquei bem — conta Oliveira.