As encomendas obedeceram fielmente aos desejos dos pequenos clientes, mesmo que fugissem um pouco das características dos personagens originais ou que se tratassem de pura invencionice: uma Mulher-Gato com asas, uma Mulher-Gato com capa (estampada à moda Ladybug), uma "bailarina princesa unicórnia" com muitos brilhos, um Super-Homem misturado com Lanterna Verde e um Thor. Na manhã desta segunda-feira (16), cinco pacientes oncológicos do Hospital da Criança Santo Antônio, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, enfim vestiram as fantasias que motivaram suas expectativas e devaneios quanto a habilidades extraordinárias nos últimos dois meses. E mais: tiveram uma sessão de fotos, posando como super-heróis.
— Posso apresentar para as pessoas? — inquietava-se Alexia Alana Fontoura Guedes, quatro anos, a "bailarina princesa unicórnia", em tratamento para um câncer na panturrilha com metástase no pulmão, ao terminar sua produção no camarim improvisado no Centro Histórico-Cultural da instituição.
Iniciativa do hospital inspirada em uma ação de Josh Rossi, fotógrafo italiano radicado nos Estados Unidos que transformou crianças com enfermidades graves e deficiências em integrantes da Liga da Justiça e viralizou na internet, o projeto contou com parceiros como a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Sul) e a produtora Mythago. Em maio, as crianças desenharam os trajes que queriam, auxiliadas por alunas do curso de Design de Moda, que esmiuçaram os detalhes: "Qual será o seu superpoder?", "Vai alguma coisa na cabeça? Nas mãos?". Uma anotação no croqui de Lais da Silva destacava a importância de um pedido da garota de oito anos: "glitter em tudo".
Mãe de Lais, a dona de casa Karina da Silva, 37 anos, conta que a filha chegou a adoecer de ansiedade no final de semana. Com febre de 39ºC e dor de cabeça, perguntava:
— Falta muito? Quantos dias faltam?
Nesta segunda, acordou antes do habitual e chorou quando Karina disse que o mau tempo provavelmente suspenderia a saída da menina, que combate um tumor na parede abdominal. Uma carona salvou a manhã, e Lais simulou cara de modelo, com a mão no queixo, e balançou as asas enormes para as lentes do fotógrafo Raul Krebs, professor da ESPM-Sul.
— Ela quer ser médica para tratar os amigos. Se depender dela, acho que vai ser. A professora diz que é uma aluna maravilhosa — orgulha-se Karina.
Superespontânea, a caçula do grupo, Alexia Alana, que tem aulas de balé toda terça-feira na escolinha, ganhou a plateia que acompanhava a sessão, seguindo as orientações para imitar uma bailarina, uma super-heroína e um "unicórnio feliz". Se tivesse um superpoder, contou certa vez, gostaria de "colorir as coisas". No domingo à noite, ao ser informada de que iria ao hospital no dia seguinte, a menina ficou apreensiva, achando que passaria por um procedimento doloroso. Na Santa Casa, encantou-se pelo vestido em tons de rosa e lilás com saia volumosa, "joias" na gola e nas luvas. Uma tiara com um chifre rosa brilhoso arrematava o look.
— É um processo de batalhas, muito intenso. Por mais que o hospital seja acolhedor, é um lugar muito associado à dor. Poder trazê-la para cá para outras coisas a ajuda a fazer melhor o tratamento — diz a mãe de Alexia Alana, a professora de história Cristiane Silveira Guedes, 38 anos.
"Super-herói não faz careta"
Ashley Luany Cueva Mendes, seis anos, que tem leucemia, era a Mulher-Gato com capa de Ladybug. Também compunham o visual uma série de acessórios em formato de coração: máscara, anel, pulseira e escudo. Até a hora das fotos, ela manteve uma máscara cobrindo a boca e o nariz, por conta da baixa imunidade.
— Queria poder voar! — confidenciou Ashley, que estava internada até a última terça-feira.
Krebs orientou as posições da menina que misturava as características de felina e joaninha.
— Levanta a bolsa, perna para cima, olha lá para cima! Agora uma cara mais séria de super-herói. Faz de conta que eu sou o bandido e você está braba comigo — pediu o fotógrafo, e Ashley só ria.
O bom humor esteve sempre presente diante dos refletores. Angelus Winkler Caldart, nove anos, circulava com sua capa vermelha de Thor, o Deus do Trovão.
— Grita: "Para o alto e avante!" — requisitou o fotógrafo.
— Não sou o Super-Homem — corrigiu o menino.
— Dá um grito de Angelus então — sugeriu uma das mães presentes.
— Não sou o Angelus. Sou o Thor! — retificou ele mais uma vez.
Devido à chuva e ao vento, Fábio Kauã Martins Lanzarini, oito anos, quase não compareceu. A mãe, a dona de casa Ana Martins, 39 anos, já tinha cancelado a viagem de Guaíba à Capital, temerosa de que o filho se resfriasse caminhando até a parada de ônibus. O hospital, então, providenciou um táxi para buscá-los em casa. Tímido, Fábio, que trata um câncer de pulmão, encarnou a cruza de Super-Homem e Lanterna Verde.
— É um guerreiro. Nunca se queixou de agulha, de dor, de nada. Tem muita fé. Ele reza todos os dias antes de dormir, diz que foi Deus que não deixou ele ter dor — revela Ana.
Por fim, as cinco criaturas fantásticas em miniatura foram reunidas para um retrato coletivo.
— Agora todo mundo faz careta! — solicitou Krebs.
Angelus — quer dizer, Thor — esclareceu:
— Super-herói não faz careta. É sério, meu filho!