O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública contra a União para garantir o fornecimento de remédios aos pacientes diagnosticados com toxoplasmose em Santa Maria. A medida se deu após um relatório elaborado pelo município e pelo Estado apontar que o estoque de remédios na cidade duraria, no máximo, 30 dias. O Ministério da Saúde comunicou que somente poderia fazer o repasse em julho e outubro.
Os medicamentos são pirimetamina, sulfadiazina e espiraminicina — usados principalmente em pacientes que exigem mais cuidado, como imunodeprimidos e gestantes. Em 2017, a compra desses remédios, por serem considerados estratégicos, foi centralizada na União, que, à época, emitiu uma nota técnica. Nela, foi informado que, enquanto o governo federal não concluísse as licitações, a responsabilidade de compra seguiria sendo dos Estados e dos municípios.
Para a procuradora da República Bruna Pfaffenzeller, diante do surto, a União tem a responsabilidade de tomar uma providência quanto ao envio dos remédios:
— A nota técnica não afasta a União da responsabilidade quanto ao fornecimento dos medicamentos. A situação é excepcional e, por isso, há urgência (no repasse da medicação). Essa decisão é de julho de 2017 e, de lá para cá, não podemos seguir esperando para fazer a compra de medicamentos, ainda mais diante do surto.
Na ação, o MPF solicita o fornecimento com urgência dos remédios, inclusive os destinados ao tratamento pediátrico. Também é exigido o acompanhamento da demanda, por parte do ministério, para evitar a falta dos medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS): "Pedimos em caráter de urgência o fornecimento de forma in natura desses medicamentos, justamente, observando os quantitativos apontados pelo Estado e município para suprir a demanda do mês de junho".
O MPF ainda cobra, na ação civil pública, que a União siga vigilante e atenta para que não ocorra um desabastecimento nos estoques de medicamentos, como destaca a procuradora:
— E estamos cobrando que, a cada mês, a União mantenha o estoque para que não falte (remédio). Temos uma estimativa desse montante necessário, mas pode acontecer desses números aumentarem ou diminuírem conforme a demanda. Por isso, a necessidade do acompanhamento (do governo).
"Com ou sem surto, tem que ter remédio", diz MPF
Nesta semana, veio à tona a divergência nos casos de toxoplasmose reconhecidos pela União e aqueles que constam nos boletins do Estado. A prefeitura de Santa Maria e a Secretaria Estadual da Saúde, conforme o último boletim divulgado nesta sexta-feira (8), sustentam que são 510 casos de toxoplasmose no município. Já o governo federal trabalha com apenas 88 como os casos provocados pelo surto.
Sobre essa disparidade, a procuradora da república afirma que para o MPF são levados em conta o número de pacientes que precisam de tratamento, independente do período em que foram diagnosticados com a doença:
— A demanda de pacientes que precisam de medicamentos (elaborada pelo Estado e município) foi baseada no estudo epidemiológico que não considera o teste de avidez, que detecta o período de infecção. O estudo em que nos baseamos considera que, se existe o diagnóstico médico de toxoplasmose, a pessoa tem direito a tratamento e é isso que buscamos por meio do repasse da medicação.
Nesta sexta-feira (8), deve ser divulgado um novo boletim com os casos atualizados da doença no município.
Contraponto
GaúchaZH questionou, por e-mail, o Ministério da Saúde sobre o ajuizamento da ação do MPF e o fato de reconhecer apenas 88 casos de toxoplasmose no município. Sobre a situação do MPF, o ministério não emitiu qualquer posicionamento. Já quanto ao número de casos reduzidos, a pasta afirma que chegou a esta constatação "por meio de um exame que leva em consideração o período de infecção". Confira, abaixo, a íntegra da nota do Ministério da Saúde:
"O Ministério da Saúde foi notificado, no dia 16 de abril, de um surto de toxoplasmose em andamento em Santa Maria (RS). Desde então, vem acompanhando a situação por meio de suas coordenações técnicas que integram o Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis e do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Departamento de Assistência Farmacêutica, além da Anvisa.
Até o último dia 30/05, estavam confirmados, laboratorialmente, pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, 88 casos de toxoplasmose com indício de infecção recente. Nestes casos, o exame que leva em consideração o período de infecção deu positivo. Ou seja, é possível saber a transmissão ocorreu neste surto atual, com a mesma fonte de infecção provável.
Na literatura mundial, a prevalência da toxoplasmose pode ter sorologia positiva em até 50% da população e, por ter a forma crônica da doença, o resultado pode continuar dando positivo por anos após a infecção. Por isso é necessário diferenciar os casos recentes, para que a investigação epidemiológica do surto seja precisa. No entanto, cabe ressaltar que todos os casos estão sendo devidamente investigados e tratados.
A Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul providenciou, por meio de cooperação, a aquisição do medicamento espiramicina 1.500.000UI com os estados do Paraná, São Paulo e o município de Porto Alegre para atendimento imediato dos casos identificados em gestantes no município de Santa Maria. Em paralelo, o Ministério da Saúde está com processo de aquisição de 40.000 comprimidos da espiramicina 1.500.000UI para ser distribuído ao estado do Rio Grande do Sul.
Vale esclarecer que esses medicamentos compõem a Relação Nacional de Medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, cujo financiamento é responsabilidade dos três entes federados e a aquisição e fornecimento dos itens à população, fica a cargo do ente municipal. Em setembro de 2017 foi encaminhado para as Assistências Farmacêuticas Estaduais a nota técnica informando sobre à centralização da aquisição dos medicamentos Espiramicina, Pirimetamina e Sulfadiazina pelo Ministério da Saúde. Ainda por meio da Nota Técnica nº 36, os estados foram informados que aquisição destes medicamentos permanecem sob a responsabilidade dos estados e municípios até que o Ministério da Saúde conclua os processos de aquisição, considerando os trâmites legais inerentes às aquisições públicas.
AÇÕES – O Ministério da Saúde designou uma equipe de campo, que chegou ao estado no dia 26 de abril, formada atualmente por seis técnicos do Ministério da Saúde e uma equipe de técnicos do estado e município, para apoiar a investigação dos casos, que está sob a coordenação da Secretaria de Estado de Saúde do RS. Até o último dia 30/05, estavam confirmados, laboratorialmente, pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, 88 casos de Toxoplasmose com indício de infecção recente. No período de 2001 a 2017 foram notificados 25 surtos de toxoplasmose, distribuídos em 13 unidades federadas, dentre os quais o de maior magnitude ocorreu no município de Santa Isabel do Ivaí (PR), em 2001/2002, envolvendo mais de 400 casos.
Cabe ressaltar que o Ministério da Saúde monitora a investigação junto à Vigilância Epidemiológica municipal e estadual e junto ao Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) da SES/RS. Além do monitoramento, o Ministério da Saúde realizou algumas ações, como: orientações técnicas para notificação; orientações sobre o diagnóstico e tratamento da doença; disponibilização de contato permanente com médicos especialistas na doença; emissão de nota informativa com orientações para apoiar a investigação de surto; disponibilização de laboratórios colaboradores para a realização de exames; envio de especialistas na doença para discussão presencial no município; realização de vídeo e web conferências; aquisição de insumos para a realização de análises laboratoriais, além do envio de profissionais de saúde para apoiar a investigação de campo e identificação das possíveis fontes de infecção."