Judith Scliar abre a porta de vidro e, antes mesmo de transpô-la, sorri ao deparar com as imagens da infância do marido e mergulhar, de novo, num universo que conhece com tanta intimidade. Está diante da foto de Moacyr Scliar bebê e dos primeiros textos que abrem a exposição Moacyr Scliar: Eu Vos Abraço, Milhões, que inaugura nesta quarta-feira na Sala de Múltiplos Usos do Centro Histórico-Cultural Santa Casa para homenagear os 80 anos de nascimento do escritor, que morreu em fevereiro de 2011.
– Estou aqui me emocionando – dispara a viúva do médico quando observa a presença da historiadora Amanda Eltz, curadora da mostra ao lado de Kimberly Terrany, ambas atuantes no espaço cultural do complexo hospitalar.
A experiência dele na Medicina é uma visão pouco explorada, mas fundamental na produção dele como escritor. Em várias crônicas, por exemplo, estão refletidas essas vivências.
Amanda Eltz
Historiadora
Era a primeira vez que Judith entrava no local depois que o acervo começara a ser organizado para levar ao público o lado médico de Moacyr Scliar. Ali, estão fotos do acervo familiar, cópias de documentos e diplomas do escritor do Bom Fim, além de fragmentos do pensamento humanista que norteou o sanitarista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Está lá, quase recepcionando os visitantes, parte do discurso de formatura de Scliar, proferido em 1962, na Faculdade de Medicina da UFRGS, em que lançou mão de um poema de Ferreira Gullar para deixar registrado o que o motivava a seguir a carreira de médico. O texto está também disponível em áudio, na voz de Zé Victor Castiel. Por essas ironias da vida, Scliar e Gullar – dois imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL) – nunca falaram sobre esse episódio.
– O Moacyr era muito humilde, nunca contou ao Ferreira Gullar que havia usado o poema dele na formatura. Ele (Gullar) só soube disso por mim, na ocasião em que esteve em Porto Alegre para receber, veja bem, o Prêmio Moacyr Scliar de Literatura (distinção promovida pelo Instituto Estadual do Livro) – relembra Judith.
Com mais timidez, a exposição também passeia pela produção literária de Scliar, até porque o próprio homenageado não deixou brechas para que se pudesse dissociá-la de sua trajetória médica.
– A experiência dele na Medicina é uma visão pouco explorada, mas fundamental na produção dele como escritor. Em várias crônicas, por exemplo, estão refletidas essas vivências – diz Amanda.
A Porto Alegre do escritor
Também estão contemplados na exposição o amor por Porto Alegre e os laços familiares, eternizados em fotografias de passeios e encontros em pontos célebres da Capital, como a Redenção, o antigo Bar João e o Fedor, clássicos da boemia do Bom Fim, o bairro da comunidade judaica na Capital.
Nas entrelinhas da mostra e nas mais de 20 obras publicadas por Scliar na área médica ficaram demarcadas a paixão pelo ser humano, a inquietude diante das injustiças sociais, a dedicação à epidemiologia e ao conhecimento da história da Medicina – esta última muitas vezes relegada nos currículos acadêmicos – e o eterno namoro com a psicanálise. Scliar, confessa Judith, até cogitou se bandear para a psiquiatria, mas o anseio por ajudar as massas o demoveu da ideia e lançou-o na saúde pública. O lado médico, assim como sua faceta mais popular, a de escritor, também transparece a conduta que adotou em sua existência: Moacyr Scliar era modestamente grandioso.
A exposição
Moacyr Scliar – Eu vos Abraço, Milhões
- A vivência e a trajetória do escritor Moacyr Scliar como médico sanitarista.
- Abertura nesta quarta-feira, às 20h30min. Visitação de terça a sábado, das 9h às 18h, e domingo, das 14h às 18h, até 11 de fevereiro de 2018.
- Sala de Múltiplos Usos do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Avenida Independência, 75, Porto Alegre)
- Entrada franca
Painel A Face Médica de Moacyr Scliar
Antes da abertura da exposição, será realizado, no Teatro do CHC Santa Casa, às 19h, o painel A Face Médica de Moacyr Scliar, que refletirá sobre o trabalho e a influência do escritor em mais de 20 obras publicadas na área médica. Participam do encontro os médicos. J.J. Camargo, Germano Bonow, Waldomiro Manfroi e Blau Fabrício de Souza. A entrada é franca.
Veja mais informações sobre a mostra em moacyrscliar.com.