Fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, afirma trecho bíblico. Desde maio, é esta convicção que move fiéis e líderes religiosos para a reconstrução dos espaços sacros atingidos pela enchente. A esperança está na volta das atividades. Ao menos 20 paróquias e 60 capelas contabilizaram estragos na Capital e em partes da Região Metropolitana, aponta levantamento da Arquidiocese de Porto Alegre. Desse total, a entidade estima que apenas uma paróquia e 10 capelas ainda esperem pelo retorno. Doações de produtos para realizar os mutirões de limpeza, além de perseverança são alguns dos elementos que possibilitam a retomada.
No bairro Fátima, em Canoas, a paróquia Nossa Senhora de Fátima trabalha há dois meses com o apoio da comunidade para a reabertura das três capelas vinculadas a ela. A matriz é a única que já celebra missas, mas de forma esporádica. No local, uma imagem de Cristo crucificado indica a altura que a água atingiu. A escultura, pendurada a cerca de três metros de altura, tem leves marcas de barro dos pés aos joelhos da figura de gesso, mesmo após a limpeza.
Os estragos em mobiliários, artigos sacros, como escrituras e gravuras, além de registros de batismos e casamentos, não desanimaram a comunidade, que já promoveu cinco mutirões de limpeza para reconstruir a paróquia.
— Fiéis de diferentes cidades vieram nos ajudar. Veio gente de Maquiné, Santo Antônio da Patrulha. Mais algumas cidades manifestaram interesse. Estão nos ajudando, de forma solidária, a retomar o lugar — diz o padre João Carlos da Silveira.
A próxima ação está marcada para o dia 20 e deve, novamente, juntar a comunidade em prol da retomada da paróquia.
Solidariedade para reconstruir
Ajuda similar é recebida pela paróquia Santa Catarina, situada na Vila Elizabeth, no bairro Sarandi, em Porto Alegre. A igreja, de quase 60 anos, pôde vislumbrar um recomeço ao ser "adotada" pela paróquia Nossa Senhora da Conceição, de Viamão.
— Grupos desta paróquia têm comparecido, em finais de semana, munidos de equipamentos, produtos de limpeza e muita dedicação, para efetuar uma força-tarefa de limpeza — relata Nelson Dreissig, integrante do Conselho Paroquial e ministro extraordinário da Sagrada Comunhão da unidade.
A enchente atingiu quatro metros de altura no interior da capela, causando mofo, avarias em mobiliários e danos irreparáveis em objetos litúrgicos. Como moradores do entorno estão empenhados em reconstruir os próprios lares, todos os reparos estavam sendo executados, até então, por lideranças da paróquia de Porto Alegre.
Com o apoio recebido, foi possível fazer uma primeira missa em 22 de junho. Desde então, uma celebração semanal é feita aos sábados, às 17h. Em tempos normais, eram realizadas cinco missas semanais.
— O principal desafio é voltar às atividades normalmente. É preciso demandar recursos financeiros, atualmente difíceis de se obter junto à comunidade dizimista pela situação que está enfrentando e pela quantidade menor de missas que estão sendo realizadas — contextualiza Dreissig.
A expectativa é de que a capela Sagrado Coração de Jesus, que também pertence a essa paróquia, reabra em setembro, com adaptações e com expectativa de um número menor de frequentadores.
Doações possibilitam volta
— Em 1970, quando o padre Blasio Vogel começou a construir a igreja, as pessoas perguntaram para ele por que era tão alta. Ele disse que iria construir uma igreja que não seria atingida por enchente — relata o pároco Vicente Zorzo, responsável pela paróquia Santíssima Trindade, no bairro Farrapos, em Porto Alegre.
Em maio, quando a cheia cobriu o Estado, toda a paróquia ficou submersa, exceto a capela, que, por ter sido construída em um segundo piso, ficou cerca de 80cm acima da linha d'água. O restante do complexo, constituído desde salas até quadras esportivas que funcionam no mesmo endereço, foi atingido pela água. O padre precisou ser resgatado de bote, porque estava ilhado na igreja.
As missas foram retomadas em 7 de junho, com poucos fiéis presentes. A primeira reunião contou com apenas três pessoas. Mesmo assim, as celebrações continuaram ocorrendo. O objetivo, segundo o padre Zorzo, é ofertar um pouco de alento às famílias da região, que foi uma das mais afetadas pela enchente na Capital.
— A maior dificuldade nessa retomada eu acho que não é essa parte material, de reconstruir a igreja. Isso nós vamos dar um jeito. A maior dificuldade é manter viva a esperança das pessoas, que perderam suas casas depois de passar 50, 60 anos trabalhando para conquistá-las — diz Zorzo, que conta que doações de comida e roupas também estão sendo ofertadas para a comunidade.
A volta dessas atividades só foi possível em razão das diversas doações, assim como de ajudas de diferentes entidades. Um desses apoios garantiu que as portas das 34 salas afetadas no piso térreo da igreja fossem trocadas. Outra ajuda possibilitou que o projeto de aulas gratuitas de costura pudesse retornar, com máquinas novas. Os equipamentos anteriores haviam ficado cerca de um mês sob a água.
Com grande parte das estruturas ainda deterioradas e passando por reparos, as catequeses na Santissíma Trindade devem voltar gradualmente, com turmas menores, assim como os outros projetos sociais que ocorrem nas salas do centro de ativividades.
— A primeira coisa que vi quando entrei na paróquia depois da enchente foi essa escultura feita de ébano. Ela é de Moçambique e se chama Calamidade. Na frente, há pessoas que olham para o futuro ao fugir de uma tragédia. Atrás, tem uma criança, que fecha os olhos para não olhar a destruição. Essa escultura lembra que, ao sairmos de uma tragédia, o olhar para a frente possibilita esperança. Quem olha para trás corre o risco de ficar travado pela perda. Para mim, foi simbólico. Precisamos continuar perseverantes e nos reerguer para um futuro melhor — finaliza o padre Zorzo.
É possível colaborar
A paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, na Ilha da Pintada, é a única que ainda não conseguiu retomar as atividades desde a enchente. Todas as seis capelas que pertencem à comunidade foram impactadas e passaram por uma limpeza inicial. Sem previsão de reabertura, os locais buscam resgatar um pouco da fraternidade ao abrigarem e distribuírem donativos para a comunidade até que seja possível retornar.
Interessados podem colaborar com a reabertura da congregação se disponibilizando para limpezas e reparos. Doações de mobiliários e eletrodomésticos também são bem-vindas. Combinados podem ser feitos pelo telefone (51) 99516-1970, com o padre Rudimar Dal’Asta.