Mais de dois meses após a enchente que atingiu Porto Alegre, 872 pessoas permanecem em 19 abrigos adaptados em várias regiões da Capital. Outras 48 estão desde quinta-feira (11) no Centro Humanitário de Acolhimento (CHA Vida), que funciona com dormitórios e terá capacidade para 848 pessoas.
Em todo o Rio Grande do Sul, 4.455 pessoas seguem desabrigadas em 41 municípios e estão acolhidas em 107 abrigos. Porto Alegre concentra 20,65% desta população. Os dados são da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado, que faz um levantamento diário com as prefeituras.
No bairro Rubem Berta, um desses abrigos tem 117 pessoas, de acordo com o sistema estadual. A reportagem foi até o local nesta sexta-feira (12) e conversou com as pessoas acolhidas.
A quadra esportiva foi dividida em pequenos espaços delimitados pelos pertences de cada família. Malas, roupas, cobertas, objetos pessoais e até televisores, em alguns casos, ficam empilhados ao redor de cada colchão. Por volta das 7h, alguns abrigados saíram para trabalhar, enquanto a maioria aguardava o café da manhã — sanduíches e café enviados pela prefeitura. Almoço, café da tarde, janta e ceia também são oferecidos ao longo do dia.
— Estou sendo muito bem cuidada — afirmou a aposentada Nara Maria Franco da Rosa, 67 anos, moradora do bairro Humaitá, na Zona Norte, ainda sem perspectiva de voltar porque perdeu boa parte dos móveis.
Ao lado dela, a amiga Teresinha Oliveira Marques, 72, estava na expectativa para retornar para casa na Vila Elizabeth, no bairro Sarandi. Se conseguisse transporte pela prefeitura, já iria nesta sexta-feira.
— Estou ansiosa, mas vou ficar com saudades dos amigos daqui — disse a idosa, esposa do compositor Leonir Marques, do grupo Milongueiros, que também estava à espera da alta do marido, hospitalizado por pneumonia.
Para garantir agasalhos e cobertas, o abrigo conta com uma “boutique”, apelido carinhoso dado pelas duas senhoras. Ali, ficam as roupas e itens pessoais, como produtos de higiene e toalhas, que podem ser retirados pelos acolhidos. Separadas por categoria, as doações são limitadas a dois itens de cada tipo por dia.
Em outra sala, duas máquinas de lavar foram instaladas e são administradas diariamente por funcionários. Para manter a organização, as roupas são guardadas em sacos pretos com os nomes dos assistidos, e varais ficam presos nas paredes dentro do ginásio para secar as peças.
Desde a madrugada, o abrigo estava sem abastecimento de água, que começou a voltar perto das 8h30min. Segundo funcionários, foi uma situação pontual na região.
Com dificuldade de acesso a escola, cerca de 30 crianças ficam no local, que tem um espaço Kids monitorado por uma equipe, com brinquedos disponíveis em alguns horários. Seis estudantes que tinham aula na Região das Ilhas são acompanhadas diariamente por um professor.
Na Restinga, abrigo será desmobilizado
No bairro Restinga, no extremo-sul da Capital, outro abrigo tem 92 pessoas acolhidas. Na manhã desta sexta-feira, elas foram comunicadas de que o espaço passaria a ser desmontado, por isso, seriam transferidas. Assistentes sociais conversavam com a comunidade, formada por famílias de Porto Alegre, Canoas e Eldorado do Sul, para acertar as transferências conforme a necessidade de cada caso.
— A gente já sabe que o espaço será desmobilizado, mas essas pessoas serão realocadas para o Centro Humanitário ou para os abrigos que ainda estão em funcionamento —garantiu o coordenador, Jonathas Furtado Diogo.
A dona de casa Joelma Lederhos dos Santos, 44 anos, era uma das moradoras do abrigo que estava ansiosa em relação à escola da filha, de 11 anos, que começou a estudar recentemente em uma instituição perto do espaço.
— As crianças estão todas matriculadas, daí tem todo um transtorno de adaptação com escola. É o quinto abrigo que estamos passando — desabafou.
Venezuelano, o pedreiro Jesus Alberto Peña, 40 anos, estava aflito porque esperava a chegada da família, que está em Roraima. A esposa e os dois filhos já estavam programados para virem a Porto Alegre, mas a casa alugada alagou poucos dias após a chegada de Peña à Capital.
— Estou há um mês e pouco aqui. Está muito frio, mas graças a Deus estou bem. Estou muito preocupado, onde eu estava vivendo tudo alagou — comentou.
Desde 2016 no Brasil, outro venezuelano também foi atingido pela cheia e passou a ajudar o colega de abrigo.
— Eu morava de aluguel na Voluntários da Pátria, no início da Rodoviária, lá virou um lago — afirmou o vigilante Orlando José Henriquez Rojas, 41.
De acordo com a coordenação do espaço, todos os casos serão analisados para ajudar os assistidos, e a desmobilização total ainda deverá levar duas semanas.
— É uma insegurança que eles acabam alimentando pelas diversas transferências que enfrentaram — avalia Jonathas.