Percorrer as matas da zona sul de Porto Alegre se tornou atividade de alto risco para bugios. Ao responder ao instinto natural, ao menos nove animais morreram e outros três ficaram feridos este ano, após serem eletrocutados em cabos de energia elétrica. O índice de 75% de letalidade registrado até o último domingo já é o maior dos últimos seis anos (confira o quadro).
O mapeamento conduzido pelo projeto Macacos Urbanos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), norteia uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, pedindo à CEEE Equatorial, responsável pela rede elétrica, ações de prevenção e redução de danos. O processo foi ajuizado em fevereiro, após a carcaça de um bugio ficar pendurada por cinco dias na fiação aérea da Avenida Lami, no bairro Belém Novo.
Uma das 25 espécies de primatas mais ameaçadas do mundo, o bugio-ruivo habita principalmente o polígono existente entre a Reserva Biológica do Lami, no extremo sul da Capital, e o Parque Estadual de Itapuã, em Viamão. Vivendo em bandos, eles enfrentam a expansão da zona urbana e a escassez de vegetação. Com a fragmentação do habitat, se deslocam pelos cabos de energia, à mercê das descargas elétricas, ou por terra, se tornando alvo fácil do ataque de cães.
— De 2018 a 2024, os choques respondem por 56% das causas de mortes. Quando não mata, a eletrocussão mutila os animais, porque causa uma queimadura que vai necrosando os membros. Muitas vezes a única saída é amputar um braço — conta a veterinária Itatiele Vivian, educadora ambiental do Macacos Urbanos.
Um mês após ingressar com o processo, a Promotoria de Meio Ambiente de Porto Alegre obteve liminar da 3ª Vara Cível de Porto Alegre obrigando a CEEE Equatorial a criar um plano de prevenção que inclua poda da vegetação em contato com fios e isolamento de cabos elétricos e conectores. No processo, a promotora Annelise Steigleder pede ainda indenização de R$ 1,55 milhão pelos 25 animais mortos e outros 15 feridos entre dezembro de 2021 e 16 de fevereiro de 2024.
— Estamos costurando um acordo com a empresa. Já tivemos algumas reuniões técnicas e eles admitem fazer a poda em regiões mais delicadas, inclusive porque tem menor custo que o isolamento dos cabos. Nossa expectativa é por um acordo amplo no qual a CEEE se disponha a fazer compensação pelas mortes que já ocorreram e que esse dinheiro vá para alguma política pública de proteção aos animais silvestres, já que a situação não para de acontecer — diz Annelise.
A morte mais recente aconteceu no domingo (22), no Lami. O animal foi recolhido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e encaminhado pela Secretaria Municipal de Saúde para exames e necropsia. Além de provocar a morte dos bugios, muitas vezes a descarga causa interrupção no fornecimento de energia elétrica, prejudicando moradores e comerciantes. Há casos também de primatas eletrocutados diante de escolas, assustando as crianças.
Segundo Itatiele, além do dano ambiental, com a redução de uma espécie já em situação de vulnerabilidade, a eletrocussão dos bugios tem um alto custo para as entidades de proteção de animais silvestres. O tratamento das queimaduras se estende em média por 90 dias, ao custo de R$ 9 mil. Quando há necessidade de amputação e o bugio precisa ser mantido em cativeiro, o valor sobre para R$ 225 mil em 15 anos, tempo médio de vida da espécie.
Procurada, a CEEE Equatorial sustenta que a construção da rede elétrica na região remonta aos anos 2000 e seguiu legislação ambiental vigente à época. Em 2005, então sob controle estatal, a empresa já havia celebrado termo de ajustamento de conduta se comprometendo com um plano de prevenção. Privatizada em 2021, quando as mortes voltaram a subir, a companhia diz estar “empenhada em dar tratamento adequado e sustentável à questão”. A Equatorial reafirma o acordo judicial mantido com o Ministério Público, mas diz que o processo tramita em sigilo.
Os bugios eletrocutados
- 2018 - 4 choques, 3 óbitos (75%)
- 2019 - 2 choques, 0 óbitos (o)
- 2020 - 9 choques, 5 óbitos (55%)
- 2021 - 8 choques, 3 óbitos (37%)
- 2022 - 17 choques, 9 óbitos (53%)
- 2023 - 19 choques, 11 óbitos (58%)
- 2024 (até 24 de julho) - 12 choques, 9 óbitos (75%)
- Fonte: projeto Macacos Urbanos - UFRGS