As quedas de luz ocorridas durante temporais como o que castigou a Região Metropolitana na semana passada são agravadas por uma característica da rede da CEEE Equatorial — concessionária de energia das áreas mais afetadas pela recente tempestade no Rio Grande do Sul.
A fiação da empresa é composta basicamente por redes aéreas "nuas", ou seja, cabos presos no alto de postes sem qualquer tratamento adicional que aumente o nível de segurança contra o contato acidental com galhos e árvores. A companhia afirma que tem planos de substituir parte dessa malha por alternativas mais resistentes, mas alega que o custo elevado para realizar a troca limita o avanço.
A infraestrutura construída ao longo de décadas pela CEEE no Estado tem hoje pouco mais de 118 mil quilômetros de extensão. Conforme a superintendência técnica da concessionária, 112 mil quilômetros correspondem à rede nua — o equivalente a quase 95% dos fios de baixa ou alta tensão. Esse tipo de cabeamento, por não contar com nenhum tipo de resguardo, é o mais sujeito a curtos-circuitos e falhas decorrentes do simples contato com algum material lançado ao ar durante uma ventania.
— Na rede nua, dependendo do nível de umidade, da resistência, se um galho encostar já pode ser o suficiente para sensibilizar o sistema de proteção e desligar (a energia) — explica o engenheiro eletricista e de segurança do trabalho Renê Reinaldo Emmel Júnior, conselheiro titular e coordenador-adjunto da Câmara de Engenharia Elétrica do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio Grande do Sul (Crea-RS).
O especialista afirma que há outras duas opções principais de fiação que oferecem maior garantia contra esse tipo de problema. Uma delas é a chamada rede compacta, ou protegida. Nesse tipo de linha, o cabo recebe uma cobertura externa, geralmente de polímero (elemento formado por moléculas grandes, capaz de dar origem a materiais como plásticos) que reduz o risco de falha pelo toque da vegetação e permite que os fios fiquem mais próximos uns dos outros — diminuindo a área de contato e, portanto, a probabilidade de ser atingida.
— É uma alternativa mais segura e ecológica (por exigir menos podas) que a rede nua, mas ainda não é a ideal. O cabo fica mais protegido, mas não isolado (eletricamente). Não pode encostar um cabo no outro, por exemplo. O melhor é a fiação subterrânea, que é isolada e sem risco de quedas de árvores, embora também tenha vantagens e desvantagens — complementa Emmel.
Conforme o superintendente técnico da CEEE Equatorial, Sérgio Valinho, uma das desvantagens de enterrar os circuitos é o alto custo.
— Enquanto o custo de implantação da rede aérea nua fica em torno de R$ 150 mil a R$ 200 mil por quilômetro, a isolada pode ficar em mais de R$ 1 milhão. Trocar tudo exigiria um volume enorme de investimento, bilionário. Avaliamos que o ideal é um mix de soluções, que permita chegar a uma rede que combine bons indicadores de manutenção com o menor custo possível, até para não ter uma pressão muito grande sobre a tarifa — sustenta Valinho.
O superintendente afirma que redes novas já priorizam os fios protegidos, de valor intermediário, e há um projeto de substituição da estrutura mais antiga. Para isso, a concessionária está mapeando os circuitos que apresentam as maiores frequências de falhas em sua área de cobertura para priorizar a troca por fiação compacta. Para 2024, a previsão é converter cerca de 500 quilômetros de linhas para o tipo protegido. Isso corresponde a 0,5% da extensão aérea nua remanescente. De forma complementar, a empresa se compromete a ampliar o número de podas de 25 mil para 60 mil neste ano, mediante um aporte de mais de R$ 20 milhões.
Também é possível instalar fios totalmente isolados (chamados ainda de multiplexados) na estrutura aérea, mas, além do custo, há alguns desafios práticos.
Tem de ter bom senso técnico para instalar o tipo de rede mais adequado a cada lugar
RENÊ EMMEL JR.
Engenheiro eletricista
— O cabo 100% isolado, além de ser mais caro, é menos flexível e mais pesado. Muitas vezes, não é possível ser instalado em estruturas aéreas, e por isso é enterrado — argumenta o superintendente técnico.
Valinho sustenta que não há um percentual considerado previamente ideal de fiação protegida ou isolada em relação aos circuitos nus:
— O setor não trabalha com um número ótimo. O que vai ditar isso é a engenharia de manutenção e da rede. Temos regiões em que, se bem mantida, a rede aérea nua apresenta um bom desempenho. Em pontos que exigem uma poda muito frequente pela taxa de crescimento do vegetal, é mais indicado contar com rede protegida.
A companhia argumenta ainda que está instalando medidores que permitem monitorar os circuitos remotamente e religá-los mais rapidamente. Foram implantados perto de 1 mil equipamentos, e outros 1 mil deverão ser colocados em 2024 na área de concessão.
Emmel concorda que a saída para os gaúchos sofrerem menos a cada temporal é contar com uma rede diversa e adequada a cada tipo de situação: mais protegida em zonas de maior risco, ainda que a um custo mais elevado, e mais básica em pontos menos sujeitos a falhas.
— Tem de ter bom senso técnico para instalar o tipo de rede mais adequado a cada lugar. Cada região tem características próprias e um grau de confiabilidade desejado. Às vezes, pode não ser indicada uma rede subterrânea. Tudo depende do local. Além disso, temos um passivo muito grande que não permite trocar toda a tecnologia da noite para o dia. Será preciso manter um processo de melhoria contínua — pontua Emmel, observando que redes enterradas custam mais caro, mas também exigem muito menos investimento em manutenção e reparos.
Na atual estrutura da CEEE Equatorial, 6 mil quilômetros (5%) são de cabos protegidos, e 450 quilômetros, cerca de 0,4%, de fios enterrados.
A experiência de outros lugares
No Brasil, os fios aéreos são a regra, e o cabeamento subterrâneo é exceção. Estima-se que, em média, menos de 1% da rede nacional fique abaixo do solo e seja isolada por completo. O cenário é diferente em outras grandes cidades mundo afora, que há décadas procuram enterrar ao menos parte da sua infraestrutura elétrica.
Londres, por exemplo, começou a adotar essa prática ainda no século 19. Em 2020, conforme a rede BBC, foi lançado um plano de 1 bilhão de libras (mais de R$ 6 bilhões) a serem aplicados em sete anos para colocar os fios que atendem o sul da cidade abaixo do chão.
Já Buenos Aires adotou essa medida na área central em uma grande reforma realizada na década de 1950, e uma lei em 2005 coibiu a instalação de novos fios aéreos, mas bairros mais afastados ainda convivem com circuitos expostos.
Conheça os principais tipos de fiação
Aérea
- Nua: é o tipo mais comum de rede no Brasil, em que os fios ficam expostos e estão mais sujeitos a curtos-circuitos pelo contato com elementos como galhos. Na baixa tensão, costumam se apresentar como um conjunto de quatro fios bem separados uns dos outros. Na média tensão, são três fios. É o tipo mais barato de rede, com custo de instalação aproximado de R$ 150 mil a R$ 200 mil por quilômetro, conforme a CEEE Equatorial, mas exigem podas de árvores mais extensas e frequentes para evitar interferências.
- Compacta ou protegida: são cabos que recebem uma espécie de cobertura para ficarem mais protegidos a um eventual contato. Isso permite ainda que fiquem mais perto uns dos outros em comparação aos fios nus. Por ficarem mais próximos, ocupam menos espaço e também ficam menos sujeitos a serem atingidos. Mas não são isolados, ou seja, o campo elétrico não é confinado, e não podem encostar uns nos outros. Conforme a Equatorial, pode ser de duas a quatro vezes mais cara do que a rede básica nua.
- Isolada ou multiplexada: os fios condutores recebem um encapamento com característica isolante, que confina o campo elétrico e permite que sejam trançados uns aos outros. É mais protegida do que as opções anteriores e ocupa ainda menos espaço, já que a fiação é enrolada em uma espécie de espiral. Mesmo assim, sendo aéreos, ainda ficam sujeitos a danos estruturais provocados pela queda de grandes árvores que provoquem rompimento do circuito, por exemplo.
Subterrânea
- Isolada: como regra, a rede subterrânea é isolada eletricamente. Além disso, por ficar disposta abaixo do nível do solo, também está a salvo de interferências provocadas por ventanias, como quedas de galhos e outros objetos lançados durante tempestades. Tem o valor mais elevado de instalação — de oito a 10 vezes mais do que a rede aérea nua, segundo informações da área técnica da CEEE Equatorial. Porém, envolve custos mais baixos com manutenção e reparos.