O pavimento embarrado e as calçadas tomadas por restos de mercadorias que um dia foram estoque ou matéria-prima compõem o cenário da Avenida das Indústrias, na zona norte de Porto Alegre. Polo de fábricas e distribuidoras, a via de 1,5 quilômetro localizada aos fundos do aeroporto Salgado Filho é endereço de 163 empreendimentos ativos registrados na prefeitura e ainda se recupera da enchente que assolou a Capital ao longo do mês passado.
Enquanto lutam para descartar entulhos, recuperar mercadorias, consertar máquinas e retomar a produção, os empresários calculam os prejuízos e refletem sobre os percalços econômicos trazidos pelo desastre climático.
De cara, quem acessa a avenida a partir da Severo Dullius avista pilhas de detritos, restos de gesso e caixas descartadas. Há 45 dias, os itens compunham o estoque da Cemear, distribuidora especializada em materiais de construção a seco, como gesso acartonado, piso laminado e forro acústico.
A água invadiu os três pavilhões da empresa, derrubou prateleiras e engoliu quase 70% do estoque. De origem familiar, a firma emprega 70 funcionários e faturava cerca de R$ 5 milhões mensais. O prejuízo com a inundação é estimado em pelo menos R$ 15 milhões.
— Estamos há 15 dias abrindo caminho no meio do estoque. Estou com 70% da minha equipe de depósito trabalhando somente no descarte e na classificação de materiais para colocar fora — relata o proprietário Felipe Tartari, que demorou quase um mês para conseguir acessar a distribuidora após o alagamento.
Com depósitos externos alugados para acondicionar o que foi salvo, gastos extras com limpeza e segurança e capacidade de entrega limitada, Tartari almejava captar um financiamento emergencial, mas diz que as linhas oferecidas não são suficientes:
— O governo diz que há dinheiro a 4% ao ano, que seria uma salvação para a maior parte das empresas. Mas, na prática, o juro fica em torno de 9% ao ano — aponta.
Na outra ponta da Avenida das Indústrias, quase no entroncamento com a Avenida Dique, a Enar Engrenagens luta para recuperar a produção. Resquício do alagamento, apenas uma das 23 máquinas funcionava na manhã desta terça-feira (18), enquanto um mecânico trabalhava para tentar colocar outra em operação.
ONDE FICA
No setor vizinho, funcionários utilizavam óleo diesel, removedor de ferrugem e uma solução ácida para recuperar as peças que ficaram submersas.
Por serem feitos de aço, os artefatos produzidos pela Enar podem ser reaproveitados. Por outro lado, a empresa calcula um prejuízo de R$ 5 milhões com maquinário, computadores, mesas e material de escritório, além do período fechada.
— Começamos a recuperação mais intensa no dia 29 de maio, com a remoção de entulhos, botamos para a rua. Mas até hoje não foi tirado nada — lamenta o proprietário Felipe Lunardi.
Retomada das atividades
Locadora de andaimes para construção, a Rohr Estruturas Tubulares ainda não contabilizou todos os prejuízos, mas avalia que as perdas cheguem aos R$ 2 milhões, conforme o gerente Jorge Augusto dos Santos.
— Temos uma perda significativa que vai aparecer que é a perda de receita, esse vai ser nosso principal prejuízos. Tenho diversos clientes que também foram afetados e estão pedindo redução do valor da cobrança. Nossa receita do mês de maio é estimada que fique em 50% só — detalha Santos.
Com 35 funcionários, a empresa, que trabalha com tubos de aço galvanizado, já conseguiu retomar as atividades, mas o primeiro andar do prédio administrativo ainda está sendo recuperado. A retomada integral é prevista para o final de julho.
Conforme dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Smdet), dos 163 empreendimentos sediados na Avenida das Indústrias, 97 são de médio e grande porte e 66 são micro e pequenas empresas. Os segmentos mais representados na via são o comércio (36) e a indústria de transformação (27).
O que diz o DMLU
Questionado pela reportagem, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) informou que o bairro Anchieta, onde fica a Avenida das Indústrias, estava entre os 19 pontos em que sua força-tarefa atuaria nesta terça-feira (18).
O diretor-geral, Carlos Alberto Hundertmarker, não deu prazo para a limpeza de toda a avenida, mas garantiu que todo o entulho será recolhido:
— Estamos trabalhando na mesma metodologia que trabalhamos no resto da cidade. Quantas vezes for necessário, nós vamos voltar.
Em toda a cidade, o DMLU já recolheu mais de 70 mil toneladas de detritos desde o início da enchente.