Um abraço apertado e lacrimoso, adiado por seis semanas, selou o reencontro da psicopedagoga Clarissa Candiota com a filha, Marta Karrer, na manhã chuvosa desta segunda-feira (27). A mãe esperava impaciente pela chegada do primeiro voo comercial à Região Metropolitana desde que a enchente invadiu o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Marta veio de São Paulo e pousou na Base Aérea de Canoas, porque o aeródromo da Capital continua com a pista tomada pela água.
Foram 42 dias de espera para Clarissa rever Marta, que atua como produtora musical. A garota foi a São Paulo ver amigos e prospectar o mercado. Tinha passagem de volta para Porto Alegre no dia 3, justamente a data em que o Salgado Filho foi inundado. Dia após dia ficou esperando boas notícias, que não vinham.
O aniversário foi em 7 de maio e a comemoração com os familiares teve de ser por videochamada. Ela aproveitou para fazer contatos profissionais e esperar... esperar... esperar.
Até que saiu a notícia de que a Latam retomaria os voos para a capital gaúcha, só que com pouso na base aérea canoense. Foi correria para comprar passagem, R$ 700 para os afortunados que conseguem adquirir com antecedência, até que Marta conseguiu lugar entre os 174 passageiros que desembarcaram de um Airbus A320 às 8h30min.
Eles se dirigiram de imediato até cinco ônibus, que se deslocaram lentamente até o ParkShopping Canoas, distante 3,4 quilômetros do aeródromo e improvisado como terminal dos voos que chegam à Região Metropolitana. Ali foi necessário esperar dentro dos ônibus, por mais de meia hora, até que todas as malas fossem desembarcadas e levadas até seus donos. E então se concretizaram os reencontros.
Apesar das esperas e do trânsito congestionado de Canoas, os usuários da rota aérea alternativa são pródigos em elogios à Fraport, à Aeronáutica e ao esforço das companhias de aviação para retomarem os voos. Até porque estão quase eufóricos, após a longa espera. Mesmo tendo que pagar milhares de reais pela passagem, se for comprada em cima da hora.
Um dos que conseguiu recuperar parte do otimismo, por causa da viagem, é o empresário Ricardo Guimarães, 54 anos. Ele viu duas lojas serem tomadas pelas águas este mês, uma de locação de veículos e outra de produtos para festas. Nessa última o prejuízo é quase total, acredita ele, porque lida com muito material sensível à umidade. A viagem até São Paulo é para conseguir linha de crédito para reerguer as empresas.
— Tenho 15 funcionários que dependem da retomada dos serviços. E isso custa dinheiro. Mas tenho compromisso de retomar a luta. Todos os gaúchos têm, e contamos com as autoridades para nos ajudarem nessa empreitada — desabafa Guimarães.
Gabriele Castro Reggioni, 25 anos, é outra que teria muitos motivos para se queixar aos brados. O marido dela perdeu a loja de informática que mantinha no Quarto Distrito de Porto Alegre.
— A água invadiu e perdemos tudo. A saída é retomar o trabalho. Vamos pra frente — conclama Gabriele, que tenta chegar a Foz do Iguaçu (PR) e pegou o primeiro voo que saiu de Canoas para São Paulo, onde faria baldeação.
O engenheiro gaúcho Roberto Lopes também estava neste primeiro voo pós-cheias. Ficou um mês sem viajar, atividade que costuma fazer duas vezes por semana. O prejuízo nem calcula, para não se incomodar.
— Vou a Londrina (PR), via São Paulo. Paguei bem caro, R$ 4 mil, mas agora consegui. Fico apenas dois dias. Vida que segue — comemora.
Essa deve ser a rotina por alguns meses, informa Edgar Nogueira, vice-presidente operacional da Fraport (empresa que administra o Aeroporto Salgado Filho). Ele esteve no Park Shopping para recepcionar os passageiros que chegam e saem desde Canoas.
— Como já anunciamos, dificilmente antes de setembro o aeroporto será reaberto. Depende da avaliação dos danos causados à pista, que ainda está tomada por água. O prejuízo é até difícil de calcular — desabafa Nogueira.