O corte de um jacarandá-mimoso situado na Rua Professor Langendonck, 117, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, causou indignação entre moradores da região e ambientalistas. Localizada em um dos túneis verdes da cidade, a árvore foi removida na manhã de um domingo, dia 18 de fevereiro, por solicitação da Clínica Medicina e Saúde Humana, localizada no endereço. A decisão foi tomada após laudo técnico apontar problemas no vegetal.
Na data da extração da árvore de 14 metros de altura, os moradores decidiram fazer um boletim de ocorrência (BO), sob o número 4159, registrado às 9h41min daquele domingo, e chamaram uma guarnição da Brigada Militar (leia abaixo a nota da corporação). A justificativa era tentar impedir "possível crime ambiental de supressão de árvore em via do tipo Túnel Verde". Ainda no sábado, já haviam aberto reclamação no telefone 156 da prefeitura sob o protocolo 0688972450.
O proprietário da clínica, Filipe Menchen, diz que árvores e galhos costumam cair na via, inclusive sobre veículos no estacionamento do local. O médico afirma que toda a documentação para a remoção do jacarandá está dentro da legalidade. Ainda segundo Menchen, que apresentou a documentação com a autorização para os policiais, um laudo constatou que a árvore tinha risco de queda e apresentava necrose inicial na base do tronco (leia o que diz a prefeitura abaixo). O objetivo do corte, conforme justifica, teria sido para oferecer mais segurança aos clientes da clínica, que funciona há 10 anos no endereço.
— Entendo a comoção, estão no direito deles de ficarem frustrados com isso. Mas foi o que a polícia falou para eles no dia: está tudo dentro da legalidade e as aprovações estão todas corretas — relata o médico Filipe Menchen, dizendo que o assunto teria se transformado em vingança pessoal dos moradores da vizinhança contra ele.
— Teve gente tentando subir na árvore para impedir o corte. E a polícia disse que iria dar ordem de prisão para o rapaz (que tentava subir), porque ele estava impedindo a execução de um serviço devidamente aprovado — acrescenta.
Júlio Deuner Konrath, professor de Ecologia e ativista ambiental, foi quem recebeu a voz de prisão. O docente assegura que a árvore cortada não estaria condenada. Ele chegou a ir até a sede da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb) para solicitar acesso ao laudo.
— O laudo falava em poda preventiva, em risco para a fiação e as pessoas. Este laudo é fajuto, porque não conseguiu mostrar que ela estava podre. Foi um laudo forjado — critica, estimando a idade da árvore entre 50 anos e 70 anos.
E compartilha o motivo de ter recebido voz de prisão.
— O proprietário da clínica disse que a árvore estava podre. Fui em casa buscar uma escada para subir e ver a árvore. O policial quis me dar voz de prisão. Ali já estava uma situação estranha, porque foi nós que chamamos a Brigada Militar — conta Konrath, que não foi detido.
Os vizinhos também dizem que na calçada da clínica havia outro jacarandá que foi extraído de forma semelhante no verão de 2023, o que é confirmado pela clínica.
— Ele (proprietário da clínica) fez um grande estacionamento ali e aquelas árvores estavam atrapalhando o estacionamento dele. Essa é a verdade — sugere Konrath.
GZH apurou que a remoção da árvore foi solicitada pelo proprietário da clínica, no dia 21 de agosto de 2023, sob o protocolo 2670771-23-93. O jacarandá foi vistoriado pelo engenheiro agrônomo Tiago Bernd, responsável pela Unidade de Podas e Remoções Vegetais da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), no dia 16 de fevereiro de 2024. E a autorização para o corte foi expedida na mesma data, em seguida ao recesso de Carnaval, sendo executada em menos de 24 horas, entre os dias 17 e 18 de fevereiro.
Indignados com a situação, os moradores ingressaram com ação na Promotoria de Justiça e Defesa do Meio Ambiente em Porto Alegre. No documento de quase 50 páginas, pedem "reparação de danos consumados com liminar de suspensão de novos iminentes ao patrimônio histórico, natural e urbanístico, resultantes da remoção indevida de dois jacarandás-mimosos do túnel verde da rua Professor Langendonck, 117".
O Ministério Público do RS confirma que recebeu o material. Neste momento, a Promotoria aguarda resposta da prefeitura da Capital sobre a autorização para o corte. A remoção desta segunda árvore foi registrada em detalhes pelos autores da ação, inclusive com a anexação de fotos de todo o processo.
O promotor de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre, Felipe Teixeira Neto, acompanha o caso. Questionado se não seria um agravante a extração de uma árvore localizada em um túnel verde da cidade, antecipa o que pode acontecer.
— Isso vai pesar em uma possível compensação maior, já que o impacto é maior diante do conjunto em que a árvore está inserida — explica, citando que isso deveria ter sido ponderado pelo município antes de autorizar o corte do jacarandá.
Outra reclamação da vizinhança é de que a Chronos Engenharia — empresa terceirizada responsável por fazer essas podas para a prefeitura — esteve com caminhão sem placa de identificação, além de três a cinco funcionários igualmente sem identificação, para executar o serviço. No boletim de ocorrência, a alegação foi de que um galho teria arrancado a placa dianteira do veículo em incidente numa poda anterior.
Os moradores alegam que o laudo técnico sobre as condições do jacarandá, feito pelo biólogo Fernando Capsi Pires, é incompatível com o que assegura a legislação em relação às árvores sob a categoria urbanística de Área Urbana Especial do tipo "Túnel Verde" (Lei Municipal 11.292/2012, leia mais abaixo).
Moradora da Rua Professor Langendonck, a fisioterapeuta Andrea Tondo testemunhou toda a cena da extração do jacarandá. Conforme narra, a poda começou ainda no sábado, dia 17 de fevereiro, com o barulho de motosserras. No dia posterior, ocorreu o corte do tronco.
— A gente queria proteger. A rua era um túnel verde, que já não é mais. Já tiraram outras árvores da rua e a prefeitura não replantou — diz Andrea.
Além da ação junto à Promotoria de Justiça e Defesa do Meio Ambiente em Porto Alegre, os moradores da região encaminharam cópias do material para a Promotoria de Justiça e Defesa da Ordem Urbanística de Porto Alegre e ao Conselho Nacional do Ministério Público. Também criaram uma petição na internet onde solicitam que mais pessoas endossem a causa.
Veja o que diz a lei sobre os Túneis Verdes
A Lei Municipal 11.292, de 5 de junho de 2012, inclui a Rua Professor Langendonck entre os logradouros considerados túneis verdes de Porto Alegre. A legislação ratifica que essa condição é automaticamente absorvida pelo Código Estadual do Meio Ambiente, pelo Plano Diretor do Desenvolvimento Urbano Ambiental e pela Lei Orgânica do Município. Além disso, diz que as ruas definidas como túneis verdes constituem patrimônio ambiental da Capital.
O que diz a prefeitura
A reportagem encaminhou uma série de questionamentos à Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), solicitando esclarecimentos sobre a remoção do jacarandá-mimoso. Por nota, a pasta respondeu:
"Sobre a supressão do jacarandá, localizado em frente à Clínica Medicina e Saúde Humana, na Rua Professor Langendonck, número 117, no bairro Petrópolis, a Prefeitura de Porto Alegre, por meio da Secretaria de Serviços Urbanos (SMSUrb), informa que, a análise do laudo técnico emitido pelo biólogo Fernando Capsi Pires (CRBio 17588-03D), contratado por Filipe Menchen, recebeu deferimento da nossa equipe técnica. Segundo laudo do biólogo, o vegetal possuía enraizamento insuficiente, copa com pontos de infiltração, declínio vegetativo, conflito com as redes aéreas elétrica e de telefonia, desequilibrado, inclinado e com necrose inicial na base do tronco. Lembrando, que as supressões, quando autorizadas, são embasadas em laudo técnico da equipe de engenheiros agrônomos que são servidores".
O que diz a Brigada Militar
A Comunicação Social do 11º Batalhão de Polícia Militar (BPM) respondeu aos questionamentos de GZH sobre o que ocorreu na rua Professor Langendonck, 117, no dia 18 de fevereiro. Confira abaixo a íntegra da resposta:
"Na manhã do dia 18/02, uma equipe da Brigada Militar foi acionada para uma ocorrência no âmbito de potencial crime ambiental, envolvendo a poda de uma árvore na Rua Professor Langendonck, 117. A solicitação emergiu da preocupação de um cidadão local, que apontou a operação de um caminhão branco, sem placa, engajado no corte de uma árvore que, segundo o solicitante, não poderia ser cortada.
Ao chegarem ao local, os policiais militares fizeram contato com a responsável pela empresa que executava o serviço, bem como com o cidadão que acionou a Brigada Militar, manifestando preocupação com a legalidade do ato. A equipe da BM solicitou a apresentação de toda a documentação necessária que autorizava a poda da árvore em questão, incluindo as autorizações para o uso de motosserras e a habilitação dos operadores.
Durante a averiguação, constatou-se que o veículo utilizado na poda estava sem a placa dianteira. Investigou-se que a ausência da placa foi resultado de um incidente em podas anteriores, no qual um galho teria arrancado a placa. Nesse contexto, a equipe realizou um auto de infração de trânsito, com a necessidade de regularização do veículo em um prazo de 5 dias, com a consequente apresentação no batalhão junto ao recibo de recolhimento de documentação, tendo regularizado sua situação posteriormente dentro do prazo estabelecido.
Não foi realizada a prisão de nenhuma pessoa no âmbito desta ocorrência.
A ocorrência contou com a presença e supervisão dos fiscais de serviço externo, que verificaram a regularidade da poda. A Brigada Militar ficou no local até a conclusão da poda, assegurando o cumprimento das normas e a pacificação da situação.
Comunicação Social 11º BPM".
O que diz a Chronos Engenharia
Até a publicação desta reportagem, GZH não conseguiu contatar a empresa terceirizada responsável pela poda das árvores em Porto Alegre.