Na 65ª edição da Paixão de Cristo do Morro da Cruz, a intervenção de uma forte chuva impediu que o clímax da Via Crúcis acontecesse: Jesus não foi crucificado e, consequentemente, não ressuscitou — um fato inédito na história da procissão, segundo Aldacir Oliboni, que interpreta o papel há 42 anos. Realizado nesta Sexta-Feira Santa (29), no bairro Partenon, na Zona Leste da capital, o evento foi marcado pela intensidade climática.
Conforme estimativa da EPTC, mais de 200 pessoas se reuniram ao redor da paróquia São José do Murialdo, desde o começo da tarde. A programação começou às 14h30min com missa na igreja.
Do lado de fora do templo, havia um sol quente e temperatura marcando acima dos 30º C. O público presente se viu obrigado a procurar nacos de sombra para se proteger, se refrescando fosse possível — com água, picolé, tinha quem portasse toalha para secar o suor, ou que estivesse de guarda-chuva. Entre esses fiéis, Flávia Goulart de Souza, 66 anos, portava leque e vestia chapéu:
— Tem que cuidar do espírito, da alma e do corpo (risos).
Moradora do bairro há seis anos, ela acompanhou o evento pela terceira vez consecutiva. Já o frequentava desde quando morava em Viamão.
— Venho pela minha fé — diz Flávia. — O sofrimento é para as pessoas se redimirem. Acredito que a gente pode ser uma pessoa melhor se inspirando no que ele passou.
O tempo nublado que se estabeleceu no meio da tarde serviu como um refresco para os fiéis, embora o receio da chuva fosse constante.
Terminada a missa, teve início um ato em que ramos de macela foram abençoadas, e artistas vestidos de anjos e usando pernas de pau caminharam em meio ao público para distribuir a planta.
Em seguida, a Paixão de Cristo passou a ser encenada, em um espetáculo que combinava elementos de teatro, dança e circo. Além de Oliboni, a peça foi composta por 135 pessoas entre artistas profissionais, moradores da região e estudantes da Restinga.
Após Pôncio Pilatos lavar as mãos, Barrabás ser libertado e Jesus ser condenado à crucificação, teve início a procissão que rumou ao morro. Porém, o peso da cruz seria dividido entre voluntários, que a carregaram brevemente.
Entre esses voluntários, que vestiam uma faixa roxa na cabeça, estava Roque Luiz Fogolari, 63 anos. Morador do bairro Passo D’Areia, ele participa há 20 anos do evento, que considera como um ato de fé e de perdão. Foi a primeira vez que carregou a cruz.
— Antes de vir, ainda falei em casa: vai ser um sonho se eu um dia conseguisse carregar a cruz. E olha aí! — comemorou.
A maior parte do trajeto de 1,5 km da procissão sobe a ladeira da rua Santo Alfredo, acompanhada por uma banda marcial e com paradas pontuais encenações. Muitos fiéis por ali andavam descalços e oravam, como era o caso de Marli Souza, 61 anos. Segurando um rosário, a moradora do Partenon se sentia plena.
— Tudo que Deus passou, a gente tem que passar junto. Ele fez tanto para nós, a gente pode fazer um pouquinho de coração — destacou Marli. — Adoro vir na procissão. Melhor coisa que tem, parece que rejuvenesce.
À medida que a procissão avançava pela rua Santo Alfredo, as nuvens escureciam. Até a chuva caiu forte. No princípio, alguns comemoraram. O trajeto seguiu. Algumas pessoas tropeçaram, outras escorregaram, e várias riam da situação.
Quando Jesus estava prestes a chegar ao cume do Morro da Cruz, onde seria realizada a encenação dos últimos momentos da vida do filho de Deus, finalizando com a crucificação e sua ressurreição, a tempestade caía insistentemente.
Jesus chegou a subir no palco ali armado, mas o evento foi encerrado ali. Munido de um guarda-chuva entortado, o diretor do espetáculo, Camilo de Lélis, anunciou que a encenação não seria mais realizada este ano por medidas de segurança. Temia-se que alguém pudesse ser eletrocutado. O público encharcado lamentou, mas compreendeu.
— Sempre conseguimos concluir, fazer a crucificação e a ressurreição de Jesus. Esse fato de paralisar devido à forte chuva é inédito. Não havia condições técnicas para realizar a Ressurreição, que é com um elevador, o que poderia colocar as pessoas em risco — afirmou Aldacir Oliboni.
Por fim, os atores da encenação soltaram balões brancos e vermelhos, que estavam previstos na cerimônia de encerramento, porém o vento os aglutinou para a mesma direção.