Heverton Meireles, nove anos, Kauã Luka, sete, Isabelly, oito, e Murillo Arthur Silva dos Santos, cinco, ainda não têm noção do risco que correram ao passar a madrugada desta sexta-feira (10) perdidos na mata atrás da região da Avenida Bento Gonçalves, onde moram, no Morro da Cruz, na zona leste de Porto Alegre.
As mães deles questionavam aos pequenos e a si mesmas o que teria motivado o passeio dos quatro sem nenhum adulto, algo inédito na vida das famílias. Nenhum deles sabia responder com a clareza que elas queriam.
— Subimos duas vezes o morro, na segunda não conseguimos descer — disse Heverton (veja vídeo acima).
Dizem que conhecem a região e que não sentiram medo quando perceberam que não conseguiriam voltar para casa no breu da noite. Uma série de escolhas erradas do quarteto que brincava de esconde-esconde resultou em um acampamento improvisado em meio a trilhas de mata fechada.
— Emprestei minha blusa para a Isabelly e dormimos abraçados para não ter frio — contou Heverton, o mais velho do quarteto, ao lado de sua mãe, Alessandra Rocha, 34.
— Quando vi a foto deles encontrados agora pela manhã e ela (Isabelly) com a blusa escura, eu sabia que era do Heverton e tinha emprestado, eles são muito unidos quando precisa — complementou Graziane Santos, 38, mãe dos outros três.
O momento do reencontro entre filhos e mães aconteceu na Unidade Básica de Saúde e Pronto Atendimento do Campo da Tuca, no final da manhã de sexta-feira. Na copa do postinho, os quatro encontraram um primo e tios, cada um com seu grau de preocupação e alívio por terem passado as últimas horas em vigília. Foram servidas bolachas recheadas e refrigerante para os pequenos matarem a fome enquanto aguardavam os trâmites legais e exames médicos.
— Não tinha nada para comer no mato — protestou o mais novo, Murillo Arthur, cinco, enquanto virava o pacote para receber na mão a última guloseima.
A esta altura ele e Kauã já não aguentavam mais ver as câmeras e responder perguntas. Heverton parecia mais tranquilo, explicando o que para eles parecia óbvio.
— Acordei uma hora e ainda estava de noite. Voltei a dormir porque não tínhamos o que fazer. Quando o sol nasceu, nos levantamos e saímos caminhando em direção aos barulhos de carro e moto — relatou Heverton.
Isabelly, a segunda mais velha do grupo, esboçava sorrisos para as fotos, mas fechava a expressão quando os adultos começavam a cobrar explicações. Quando a mãe dela e dos irmãos Arthur e Kauã chegou, abraços e beijos com lágrimas tomaram conta da mesa. O mais novo se mostrou emocionado e manhoso, pedindo que a mãe servisse mais refrigerante e o recebesse no colo com cafuné — o que foi prontamente atendido.
Kauã demorou a dar sorrisos, mesmo com o abraço emocionado da mãe Graziane. Só foi se soltar quando encontrou uma balança corporal em outra sala da UPA e começou a tentar adivinhar o peso e altura de cada um deles.
— Só 21 quilos? Que magrinho! — riu de si mesmo, antes de reclamar da demora para ir para casa, pois estava cansado.
Crianças passam bem depois do susto
O corpo médico da UPA examinou os quatro enquanto comiam bolachas e tomavam refrigerantes. Assistentes sociais e agentes da Polícia Civil também conversaram com as crianças. A pressão arterial, quantidade de oxigênio no sangue, temperatura corporal e integridade física sem ferimentos foi constatada por estetoscópios e oxímetros que passaram de um em um. Ao final dos atendimentos, enfermeiros e enfermeiras fizeram uma foto com os pequenos.